A ajuda aos pobres pode ser motivada por várias razões.
Nos primórdios, o alívio da pobreza era feito somente via caridade,
movida por aspectos morais no nível individual. Destacam-se, secularmente,
diversas organizações religiosas e entidades voluntárias (veja sobre os primórdios das ações contra pobreza). Com
o tempo, a sociedade como um todo passou a entender que a questão da pobreza
não deveria se restringir aos trabalhos voluntários e entidades filantrópicas. Uma
nova forma de Estado emergiu, o Estado do bem-estar social, evoluído das
transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas com a entrada da Idade Contemporânea. Inicialmente, a atuação estatal passou a ser justificada com base nas teorias
contratualistas que trouxeram os direitos e liberdades individuais do homem,
para depois se apoiar em outras teorias, como o utilitarismo e as teorias de falhas de mercado.
O auxílio aos pobres por meio da caridade dos indivíduos possui a virtude
de ser movida por razões morais, mas isso certamente não se traduz em efetividade
na luta contra a pobreza. Ravallion (2016) argumenta que a caridade fomentaria
a mendicância, o que geraria efeitos perversos nessa população carente.
Continua ele destacando que “o ato de dar responde mais a circunstâncias dos
indivíduos específicos que os doadores conhecem pessoalmente do que as
necessidades da massa de anônimos não identificados, mas pessoas igualmente
carentes, especialmente aqueles distantes”. Essa rationale faria parte da psicologia da caridade. Dessa forma, a
caridade proporcionaria “uma cobertura desigual para aqueles necessitados”.
Por mais meritória que seja a caridade do ponto de vista moral dos
indivíduos que a praticam, ela possui limitações de implementação, quando se
pensa no conjunto inteiro da sociedade.
Outra razão para a inefetividade da caridade, em termos de cobertura
insuficiente, é o fato de essa atividade se assemelhar às características que são
típicas de serviço público. Mesmo pela economia clássica, nem tudo pode ser
fornecido a contento pelo mercado, ficando para o governo algumas
responsabilidades. Um exemplo conhecido é o da provisão de iluminação pública,
tão importante para o urbanismo, para a circulação dos cidadãos e para a
redução dos riscos de violência. Caso a iluminação pública fosse paga por alguns
cidadãos, não se poderia afastar dos não pagantes os benefícios do uso dela,
situação esta denominada pelos economistas de não exclusividade. Também, cada cidadão que consome o serviço de
iluminação pública não reduz o consumo dos demais cidadãos, fato este chamado
de não rivalidade. Quando um bem ou
serviço com as características acima é fornecido por particulares, abre a oportunidade
de que alguns se beneficiem sem pagar, o que é conhecido como o problema do carona, uma das falhas de
mercado conhecidas na literatura econômica. Esse fenômeno acarreta uma oferta desse
serviço menor do que a ideal para a sociedade.
Similarmente à iluminação elétrica, ações ou serviços particulares que enfrentem a pobreza também impactam o
bem-estar geral da sociedade de modo que cidadãos caronas podem se beneficiar
sem ônus, pois estes não precisam pagar para usufruir desses benefícios, nem
são prejudicados pelo consumo dos demais pelo serviço. Portanto, o
enfrentamento da pobreza é provido abaixo da quantidade necessária. Essa
situação de falha de mercado justifica a atuação governamental por meio de
políticas públicas que reduzam a pobreza.
No entanto, essa compreensão de que essa iniciativa cabe
predominantemente ao Estado não afasta a atuação complementar da sociedade. Essa
atuação conjunta e o que cabe a cada ente ainda são objeto de intensos debates
nas sociedades modernas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os democratas
entendem que o Estado e as entidades de caridade, tais quais igrejas, são
complementares nessa missão, enquanto que os republicanos, ao se oporem ao aumento do Estado, defendem que nada há de melhor do que as comunidades locais
para tratar de modo mais eficiente o problema. Essa composição entre Estado e
sociedade varia de país para país quase sempre ao sabor das ideologias. Mas,
não há mais como o Estado se abster desse papel e entender de modo contrário
representaria um retrocesso histórico.
Os argumentos traçados acima para a atuação obrigatória do Estado na
luta contra a pobreza são de ordem microeconômica. Além disso, há outras razões
históricas para a participação do Estado. Vimos em post anterior (veja como o Iluminismo afetou a pobreza)
que Estado do bem-estar social emergiu em fins do século XVIII, incorporando
princípios de solidariedade nos códigos europeus, dotando os indivíduos
titulares de direitos e liberdades. Por fim, teoricamente, o utilitarismo veio
reforçar a importância de se considerar o total dos indivíduos tendo em vista
aumentar o bem-estar global da sociedade. Trataremos da escola utilitarista no
próximo post. acerca da continuação do pensamento sobre a pobreza ao longo do
século XIX.
Bibliografia: Ravallion, M. The Economics of Poverty. Oxford University Press, 2016.
Bibliografia: Ravallion, M. The Economics of Poverty. Oxford University Press, 2016.
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