quarta-feira, 9 de maio de 2018

A História da Pobreza – O pessimismo do Século XIX - por Ravallion (5)


Após a contribuição das ideias iluministas que impactaram a visão humanista, o século XIX foi marcado por um razoável recrudescimento no combate à pobreza. Em pleno avanço da revolução industrial, pairava um sentimento pessimista a respeito da abertura de oportunidades para as camadas pobres, o que era representado em obras a exemplo de Os Miseráveis do francês Victor Hugo.

A revolução industrial proporcionou ocupação de baixa qualificação para uma grande massa de trabalhadores emigrados para as cidades, mas com baixos salários a níveis de subsistência. O raciocínio era que qualquer elevação de salários levaria ao aumento de oferta de trabalho da classe trabalhadora, em razão da iniciante queda da mortalidade infantil à época e da alta taxa de fertilidade – decorrente do aumento dos casamentos precoces –, o que acabaria por fazer os salários retornarem ao nível de subsistência.


                              Thomas Malthus (1766-1834)

Esse pessimismo concentrava-se na figura do economista Thomas Robert Malthus, em cuja principal obra, Ensaio sobre o Princípio da População, publicada em 1798, defendia a sua famosa armadilha malthusiana – qualquer crescimento da população manteria a pobreza. Também reverendo, Malthus acreditava na “fraqueza moral” das pessoas pobres em relação aos impulsos sexuais, que acarretava crescimento da população no advento de qualquer melhora de sua renda. Não precisaria dessa visão conservadora de Malthus para se concluir que realmente havia uma esperada correlação entre tamanho da família e a sua renda auferida à época. Primeiro que inexistia rede de proteção social e mais filhos era uma forma de poupança para futuro. Segundo que, com a baixíssima mobilidade social, não havia incentivos para investimento na educação dos filhos, uma vez que estes provavelmente permaneceriam entre a classe trabalhadora, fazendo com que o custo de manutenção de um filho fosse reduzido. Essas ideias foram ultrapassadas em pouco tempo em razão do avanço das tecnologias de produção no campo, minorando a fome dos pobres. Hoje em dia, há resquícios desse modo de pensar Malthusiano, quando se pensa que o aumento populacional ou das suas condições de vida pode pressionar a capacidade do planeta Terra sem que novos avanços tecnológicos possam compensar.

David Ricardo, que foi amigo de Malthus, também compartilhava desse pessimismo em relação à redução da pobreza no longo prazo. Autor de Princípios da Economia Política e Tributação (1817), Ricardo acreditava na existência de recursos naturais limitados que, combinados com retornos decrescentes, levava a um mundo com crescimento zero. Assim, nenhum dos economistas logo após Adam Smith (veja o que Adam Smith pensava sobre pobreza) defendiam políticas de combate à pobreza. Esses estudiosos apresentavam argumentos de incentivos econômicos – que desencorajava o trabalho e a poupança, criando pobreza ao invés de eliminá-la. Houve inclusive críticas, principalmente da Inglaterra, contra as ideias iluministas de direitos e justiça oriundas do outro lado do Canal da Mancha.

Nessa mesma linha, a precursora Lei dos Pobres inglesa sofreu retrocessos. Até 1818, a alíquota de imposto local para financiar a Lei dos Pobres aumentou em 6 vezes em relação àquela de metade do século XVIII. O aumento de demanda pelo alívio da pobreza proporcionada pela citada lei decorria da migração rural, do crescente desemprego e das quebras de safras. Mergulhado também nos argumentos de incentivos, iniciou-se então um debate de quem mereceria ou não receber benefícios, inaugurando a ideia de focalização dessa política pública. Junto a Malthus e Ricardo já comentados, outros intelectuais da época também reprovavam a Lei dos Pobres. Joseph Townsend escreveu que “essas leis, tão bonitas em teoria, promoviam os males que se buscava remediar, e agravavam as distorções que se pretendia aliviar”. Alexis de Tocqueville argumentava que a Lei dos Pobres só causava desincentivo ao trabalho, além de dependência econômica. Defendia-se que a Lei dos Pobres deveria acabar ou, ao menos, fosse melhor focalizada (veja sobre a Lei dos Pobres).

Desse modo, a Lei dos Pobres foi reformada significativamente em 1834. Para se ter uma ideia do impacto dessa mudança, o seu gasto que foi de 2,5% da renda nacional em 1830 caiu para 1% apenas 10 anos depois. Já existentes, mais casas de trabalho na Inglaterra foram construídas para melhor contemplar o viés focalizador trazido pela reforma. Elas eram mais insalubres e punitivas do que tinham sido no passado.

Do outro lado do Atlântico, algumas décadas depois, os Estados Unidos perdiam uma ótima oportunidade para dar uma reviravolta na sua estrutura social. A Guerra da Secessão (1861-1865) proporcionou a alforria da população negra escrava dos estados confederados do sul. Entretanto, os negros emancipados necessitavam com urgência de alimentos, vestimentas e combustível. Essa tarefa ficou a cargo de uma nova agência governamental, a Freedmen´s Bureau, que proporcionaria alívio da pobreza, porém, por apenas um ano.

No entanto, algo maior foi tentado com o Special Field Orders, assinado pelo General William Sherman, que determinou uma espécie de reforma agrária das terras sulistas em prol das famílias afroamericanas antes escravizadas. Mas, o Presidente Andrew Johnson, que substituiu Abraham Lincoln assassinado, revogou a proposta, deixando as famílias que seriam beneficiadas submetidas a salários vis devido ao aumento da oferta de trabalho com o fim da escravidão nos estados ao sul.

Outras leis e políticas continuaram a reforçar a pobreza americana, como as criadas Jim Crow Laws, que exigiam das populações negras testes de alfabetização para votar e adoção de escolas segregadas de pior qualidade. Assim, o sul dos Estados Unidos permaneceu predominantemente agrícola e a pobreza entre os negros americanos persistiu.

O ponto positivo de avanços contra a pobreza ao longo do século XIX foi a universalização da educação. No começo desse século, relatos evidenciavam que as crianças começavam a trabalhar a partir dos 7 anos. Em meados do século, estimava-se que 40% das crianças de 5 a 9 anos de idade na Inglaterra e País de Gales estavam fora da escola. O desemprego entre as crianças pobres era considerado um dos maiores problemas sociais.

Essa visão começou a mudar em meados do século XIX na Europa e Estados Unidos, quando as condições precárias de trabalho das crianças nas indústrias desencadearam o ativismo trabalhista, as obras literárias e críticas contra o capitalismo, como as de Karl Marx e Friedrich Engels. Em fins do século, a universalização ganhou corpo nas duas supracitadas regiões a partir da reivindicação de pais pobres e comunidades locais. Contribuindo para isso, novas tecnologias oriundas da evolução da revolução industrial passaram a exigir novas habilidades dos trabalhadores. Também, havia antes restrições administrativas de se estabelecer a universalização, pois até metade do século, sistemas de registro de nascimento não haviam sido criados de modo a permitir o enforcement das leis de universalização.

No próximo post, trataremos, ainda dentro do século XIX, do surgimento do utilitarismo, escola hegemônica na economia, e dos movimentos socialistas e trabalhistas, que influenciaram enormemente a história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário