Após a contribuição das ideias iluministas que
impactaram a visão humanista, o século XIX foi marcado por um razoável
recrudescimento no combate à pobreza. Em pleno avanço da revolução industrial,
pairava um sentimento pessimista a respeito da abertura de oportunidades para
as camadas pobres, o que era representado em obras a exemplo de Os Miseráveis do
francês Victor Hugo.
A revolução industrial proporcionou ocupação de
baixa qualificação para uma grande massa de trabalhadores emigrados para as
cidades, mas com baixos salários a níveis de subsistência. O raciocínio era que
qualquer elevação de salários levaria ao aumento de oferta de trabalho da
classe trabalhadora, em razão da iniciante queda da mortalidade infantil à
época e da alta taxa de fertilidade – decorrente do aumento dos casamentos
precoces –, o que acabaria por fazer os salários retornarem ao nível de
subsistência.
Thomas Malthus (1766-1834)
Esse pessimismo concentrava-se na figura do
economista Thomas Robert Malthus, em
cuja principal obra, Ensaio sobre o Princípio da População, publicada em 1798,
defendia a sua famosa armadilha malthusiana – qualquer crescimento da população
manteria a pobreza. Também reverendo, Malthus acreditava na “fraqueza moral”
das pessoas pobres em relação aos impulsos sexuais, que acarretava crescimento da
população no advento de qualquer melhora de sua renda. Não precisaria dessa
visão conservadora de Malthus para se concluir que realmente havia uma esperada
correlação entre tamanho da família e a sua renda auferida à época. Primeiro
que inexistia rede de proteção social e mais filhos era uma forma de poupança
para futuro. Segundo que, com a baixíssima mobilidade social, não havia
incentivos para investimento na educação dos filhos, uma vez que estes
provavelmente permaneceriam entre a classe trabalhadora, fazendo com que o
custo de manutenção de um filho fosse reduzido. Essas ideias foram
ultrapassadas em pouco tempo em razão do avanço das tecnologias de produção no
campo, minorando a fome dos pobres. Hoje em dia, há resquícios desse modo de
pensar Malthusiano, quando se pensa que o aumento populacional ou das suas
condições de vida pode pressionar a capacidade do planeta Terra sem que novos
avanços tecnológicos possam compensar.
David Ricardo, que foi amigo de Malthus, também
compartilhava desse pessimismo em relação à redução da pobreza no longo prazo.
Autor de Princípios da Economia Política e Tributação (1817), Ricardo
acreditava na existência de recursos naturais limitados que, combinados com
retornos decrescentes, levava a um mundo com crescimento zero. Assim, nenhum
dos economistas logo após Adam Smith (veja o que Adam Smith pensava sobre pobreza) defendiam políticas
de combate à pobreza. Esses estudiosos apresentavam argumentos de incentivos
econômicos – que desencorajava o trabalho e a poupança, criando pobreza ao
invés de eliminá-la. Houve inclusive críticas, principalmente da Inglaterra,
contra as ideias iluministas de direitos e justiça oriundas do outro lado do
Canal da Mancha.
Nessa mesma linha, a precursora Lei dos Pobres
inglesa sofreu retrocessos. Até 1818, a alíquota de imposto local para
financiar a Lei dos Pobres aumentou em 6 vezes em relação àquela de metade do
século XVIII. O aumento de demanda pelo alívio da pobreza proporcionada pela
citada lei decorria da migração rural, do crescente desemprego e das quebras de
safras. Mergulhado também nos argumentos de incentivos, iniciou-se então um
debate de quem mereceria ou não receber benefícios, inaugurando a ideia de
focalização dessa política pública. Junto a Malthus e Ricardo já comentados,
outros intelectuais da época também reprovavam a Lei dos Pobres. Joseph
Townsend escreveu que “essas leis, tão bonitas em teoria, promoviam os males
que se buscava remediar, e agravavam as distorções que se pretendia aliviar”.
Alexis de Tocqueville argumentava que a Lei dos Pobres só causava desincentivo
ao trabalho, além de dependência econômica. Defendia-se que a Lei dos Pobres
deveria acabar ou, ao menos, fosse melhor focalizada (veja sobre a Lei dos Pobres).
Desse modo, a Lei dos Pobres foi reformada
significativamente em 1834. Para se ter uma ideia do impacto dessa mudança, o
seu gasto que foi de 2,5% da renda nacional em 1830 caiu para 1% apenas 10 anos depois.
Já existentes, mais casas de trabalho na Inglaterra foram construídas para
melhor contemplar o viés focalizador trazido pela reforma. Elas eram mais
insalubres e punitivas do que tinham sido no passado.
Do outro lado do Atlântico, algumas décadas depois,
os Estados Unidos perdiam uma ótima oportunidade para dar uma reviravolta na
sua estrutura social. A Guerra da Secessão (1861-1865) proporcionou a alforria
da população negra escrava dos estados confederados do sul. Entretanto, os
negros emancipados necessitavam com urgência de alimentos, vestimentas e
combustível. Essa tarefa ficou a cargo de uma nova agência governamental, a Freedmen´s Bureau, que proporcionaria
alívio da pobreza, porém, por apenas um ano.
No entanto, algo maior foi tentado com o Special Field Orders, assinado pelo
General William Sherman, que determinou uma espécie de reforma agrária das
terras sulistas em prol das famílias afroamericanas antes escravizadas. Mas, o
Presidente Andrew Johnson, que substituiu Abraham Lincoln assassinado, revogou
a proposta, deixando as famílias que seriam beneficiadas submetidas a salários vis
devido ao aumento da oferta de trabalho com o fim da escravidão nos estados ao
sul.
Outras leis e políticas continuaram a reforçar
a pobreza americana, como as criadas Jim
Crow Laws, que exigiam das populações negras testes de alfabetização para
votar e adoção de escolas segregadas de pior qualidade. Assim, o sul dos
Estados Unidos permaneceu predominantemente agrícola e a pobreza entre os
negros americanos persistiu.
O ponto positivo de avanços contra a pobreza ao
longo do século XIX foi a universalização da educação. No começo desse século,
relatos evidenciavam que as crianças começavam a trabalhar a partir dos 7 anos.
Em meados do século, estimava-se que 40% das crianças de 5 a 9 anos de idade na
Inglaterra e País de Gales estavam fora da escola. O desemprego entre as
crianças pobres era considerado um dos maiores problemas sociais.
Essa visão começou a mudar em meados do século
XIX na Europa e Estados Unidos, quando as condições precárias de trabalho das
crianças nas indústrias desencadearam o ativismo trabalhista, as obras
literárias e críticas contra o capitalismo, como as de Karl Marx e Friedrich
Engels. Em fins do século, a universalização ganhou corpo nas duas supracitadas
regiões a partir da reivindicação de pais pobres e comunidades locais. Contribuindo
para isso, novas tecnologias oriundas da evolução da revolução industrial passaram
a exigir novas habilidades dos trabalhadores. Também, havia antes restrições
administrativas de se estabelecer a universalização, pois até metade do século,
sistemas de registro de nascimento não haviam sido criados de modo a permitir o
enforcement das leis de
universalização.
No próximo post, trataremos, ainda dentro do
século XIX, do surgimento do utilitarismo, escola hegemônica na economia,
e dos movimentos socialistas e trabalhistas, que influenciaram enormemente a
história.
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