Quando se divulga a taxa de desemprego, sabe-se
que o valor representa a proporção de pessoas que não encontraram ocupação no
período considerado. Ao se publicar a taxa de inflação, é facilmente sabido que,
em média, os preços gerais da economia subiram percentualmente no valor divulgado.
Uma taxa de pobreza também é compreendida, sem dificuldades, como a razão de
pessoas em uma sociedade que estão abaixo de condições mínimas de uma vida
decente. E quando um indicador de desigualdade de renda, como o Coeficiente de
Gini, é anunciado, alguém sabe o que ele exatamente mede em termos absolutos?
O Coeficiente de Gini foi popularizado pelo
estatístico italiano Corrado Gini no começo do século XX. Diz-se popularizado, porque, de fato, não foi
o italiano que criou o famoso coeficiente. Como explica Anthony Atkinson, no
seu livro Desigualdade, cerca de 30 anos antes a divulgação do coeficiente por
Corrado Gini, a sua estatística básica já havia sido proposta por dois alemães:
Carl Christopher von Andrae e Friedrich Robert Helmert.
Para entendê-lo, lança-se mão geralmente de um diagrama não menos famoso: a curva de Lorenz. Nesse diagrama, traça-se um
gráfico da proporção de renda total acumulada em função da proporção da
população, esta ordenada por rendas crescentes. Assim, uma população
perfeitamente equalitária seria representada pela diagonal do gráfico (OB), uma
vez que cada membro da população contribuiria com o mesmo incremento de renda
e, assim, gerando a inclinação uniforme na reta do gráfico. Ao contrário, em
uma sociedade de rendas desiguais, o gráfico se iniciaria com os mais pobres –
à esquerda – causando uma inclinação
mais plana no gráfico e terminaria com os mais ricos provocando inclinações
maiores – à direita –, gerando assim a curva inferior à diagonal do gráfico.
Quanto maior esse embarrigamento da curva, ou seja, quanto mais distante da
diagonal de perfeita igualdade, maior seria a desigualdade. Em suma, o
Coeficiente de Gini mede exatamente razão entre a área hachurada desse
abaulamento da curva (alfa) e a área do triângulo inferior no qual se insere a
curva (OBC).
Fonte: Hoffmann (1998)
Quando a sociedade é perfeitamente igual, a
curva coincide com a diagonal, a área hachurada é nula e o Coeficiente de Gini
é 0. Em uma sociedade que tenha toda a sua renda concentrada nas mãos de poucos membros, a curva tenderá a colar nas retas OC e CB, a área alfa se aproximará
à área do triângulo OBC e o Coeficiente tenderá a 1. Assim, sabemos que o
Coeficiente de Gini varia de 0 a 1 e este valor é tanto maior, quanto maior for
a desigualdade, como é de se esperar. Mas permanece a necessidade de melhor
interpretação do significado de um valor de Gini, que não 0 ou 1. Sabemos
avaliar comparativamente que o país que tem Gini de 0,7 tem desigualdade maior
que um país de valor de Gini de 0,6. Porém, em valores absolutos, o que
significa um valor de Gini de 0,7 ou, em termos percentuais, 70%?
Matematicamente, o Coeficiente de Gini mede a
proporção entre as diferenças de renda entre todos os pares de membros da sociedade,
e a média aritmética dessas rendas. No entanto, fugindo da formulação
matemática, quase sempre cansativa e de difícil depreensão, há uma interpretação
para o valor absoluto do Coeficiente de Gini pouco conhecida, porém bastante
útil para compreender a magnitude de cada valor intermediário do índice. Ela
utiliza uma técnica, chamada de processo de socialização parcial de Theil, para
achar uma distribuição dual subjacente a partir da distribuição original. Não
vamos reproduzir a técnica neste espaço, mas é importante conhecer o seu
resultado prático.
Uma sociedade de Coeficiente de Gini de valor,
por exemplo, de 70% significa, pela técnica acima, que ela é equivalente a uma
sociedade que concentre toda a mesma renda nos 30% mais ricos, enquanto que os
restantes 70% possuem renda nula. Ou seja, se pegássemos toda a renda dessa
sociedade e a concentrássemos nos 30% mais ricos da população, deixando nada
para os 70% mais pobres, o Coeficiente de Gini medido dessa nova distribuição
hipotética seria igual a 70%, equivalente ao valor do coeficiente da
distribuição original dessa sociedade.
Tome-se o exemplo do Coeficiente de Gini do
Brasil de 54,3% para o ano de 2014, obtido do Ipeadata. A maioria das
publicações que tratam de desigualdade apenas efetuam análises relativas: que o
Brasil está entre os mais desiguais do mundo, que o Brasil só é melhor do que
aquele ou outro país, ou que o Brasil é pior do que a grande maioria dos países na sua
região. E o valor absoluto de 54,3%? O que significa esse patamar de
desigualdade? Agora, pela interpretação apresentada neste texto, pode-se
enriquecer a interpretação afirmando-se que a distribuição de renda do Brasil
corresponde à distribuição hipotética de um país que tenha concentração tal que
uma proporção de 54,3% da sociedade vive na indigência absoluta, ou seja,
possui renda zero.
Ao nosso ver, essa forma de interpretar o
Coeficiente de Gini aumenta a compreensão do índice e aprimora a
comunicabilidade, que é propriedade desejável em qualquer indicador complexo.
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