quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Por uma educação menos desigual

Há algum tempo, nós brasileiros somos bombardeados por notícias antagônicas na área da educação, que nos fazem pensar que ora estamos entre os maiores centros de conhecimento do mundo, ora permanecemos na estagnação educacional, se não do analfabetismo, mas da falta de preparo educaciocal generalizada para uma sociedade no século XXI.

Janeiro de 2018 nos trouxe a efusiva notícia de que o Brasil havia sido promovido à elite da matemática mundial. O anúncio foi feito pelo IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) no último dia 25. A União Matemática Internacional acabava de aprovar a entrada do pais no Grupo Cinco, o mais alto em desenvolvimento em pesquisa matemática, composto por Alemanha, Canadá, China, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia (https://impa.br/page-noticias/brasil-e-promovido-a-elite-da-matematica-mundial/ ).

Essa decisão era não só esperada, como também merecedora para o Brasil, haja vista o significativo progresso da pesquisa nos bons centros de estudo de matemática pelo país, capitaneado pelo IMPA no Rio. Em 2014, o matemático brasileiro Artur Ávila foi galardeado com a Medalha Fields, considerada o Prêmio Nobel de Matemática. Também, entre muitos grandes gênios trabalhando nesse notável instituto de matemática, o alagoano Fernando Condá deu mostras de como a matemática pode frutificar em terras tão áridas, para não citar o saudoso Professor Elon Lages Lima, também alagoano, que nos deixou em maio passado, não antes de firmar uma contribuição inestimável no papel de mentor e inspirador para a juventude interessada na rainha das ciências.

Por outro lado, retrocedendo um pouco, em dezembro de 2016, ficamos sabendo que o Brasil, na edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) de 2015, havia caído no ranking mundial de educação não só em matemática, mas também em ciências e leitura. A prova foi aplicada para 23.141 alunos de 841 escolas no Brasil (https://g1.globo.com/educacao/noticia/brasil-cai-em-ranking-mundial-de-educacao-em-ciencias-leitura-e-matematica.ghtml ).

Os resultados foram considerados alarmantes, pois, entre as 6 categorias em que os países são classificados, mais da metade dos estudantes brasileiros obtiveram notas abaixo do nível básico – o nível 2 (gráfico ao lado). Particulamente em matemática, mais de 70% dos estudantes estavam nesta faixa mais baixa de conhecimento, o que era de se estranhar para um país laureado um ano antes pela Medalha Fields.

Por sua vez, Sobral, uma cidade do interior do Ceará, vem ganhando notoriedade nacional com as suas notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Basica (Ideb), um acompanhamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC). O Ideb mostra que, das 100 melhores escolas do Brasil em 2016, nada mais que 77 estavam em território cearense. Entre os dez municípios com melhores notas no país, quatro estavam no Ceará: Sobral (1o), Pires Ferreira (2º), deputado Irapuan Pinheiro (3o) e Brejo Santo (6o).  (https://www20.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2016/09/09/noticiasjornalcotidiano,3657675/77-das-100-melhores-escolas-do-pais-estao-no-ceara-mostra-ideb.shtml ).

Consultando os resultados no site do Inep (http://idebescola.inep.gov.br/ideb/consulta-publica ), podemos comprovar, bem como tomar consciência do feito dessas localidades cearenses distantes de grandes centros. A título de exemplo, as escolas fundamentais Emílio Sendim e Antônio Custódio, em Sobral, conquistaram as impressionantes notas 9,8 e 9,7, respectivamente, no Ideb 2015 para os anos iniciais do ensino fundamental (1º a 5º anos). São valores de Ideb muito elevados, mesmo quando comparados às cidades mais ricas do país. Esses resultados invejáveis foram alcançados com medidas já conhecidas, mas pouco aplicadas nas escolas públicas pelo Brasil afora, tais como, o combate contra faltas às aulas, a adoção de avaliações semanais de planejamento, a implementação de tempo integral com reforço escolar no contra turno, o emprego de segundo professor em sala de aula, entre outros. A pergunta que se faz é se a Prova Brasil, que compõe o Ideb, é muito menos rigorosa do que o já citado exame do Pisa. Em caso afirmativo, o Ideb, para as escolas brasileiras, teria apenas valor relativo.

Seguindo nesta gangorra de notícias boas e ruins, nos últimos dias de janeiro último, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que mais de 2 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola, o equivalente a 5% da população nessa faixa etária. O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou que “quase metade dos municípios pesquisados não toma nenhuma medida para acabar com a exclusão escolar” (https://g1.globo.com/educacao/noticia/auditoria-aponta-mais-de-2-milhoes-de-criancas-fora-das-salas-de-aula.ghtml).

Como conciliar essas duas últimas notícias, a não ser considerando que os nossos resultados em educação ainda são casos localizados? Lembremos que, ainda que Sobral e algumas outras cidades cearenses sejam bons exemplos, muitos outros municípios, inclusive bem próximos a esta cidade bem avaliada, possuem números bem ruins na área de educação, medidos pelo próprio Ideb, demonstrando uma heterogeneidade de resultados dentro do território cearense. Essa conclusão pode facilmente ser alcançada pesquisando-se no endereço do Inep (http://idebescola.inep.gov.br/ideb/consulta-publica ). Portanto, permanecem os desafios, mesmo no estado considerado caso de sucesso.

Por fim, há poucos dias, Diego Lima, diretor de Escola Municipal Darcy Ribeiro, em São José do Rio Preto em São Paulo, nos deu o orgulho de ele ter sido selecionado entre os dez melhores professores do mundo para concorrer ao prêmio Global Teacher Prize 2018. O louvável professor conseguiu reduzir a evasão escolar e a violência em uma escola de um bairro carente e violento. Essa grande conquista passaria por uma notícia totalmente alvissareira na área de educação, não fossem os detalhes preocupantes do contexto de adversidade no qual foi obtida, cenário comum em muitas escolas de regiões pobres do país (https://veja.abril.com.br/brasil/brasileiro-esta-entre-os-dez-melhores-professores-do-mundo/).

O balde de água fria final vem da notícia deprimente da eterna baixa produtividade do trabalhador no Brasil, objetivo último que uma educação de qualidade procura solucionar em qualquer país. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou na semana passada que, entre 68 países, o Brasil encontrava-se na 50ª posição. Em média, um brasileiro gera US$ 16,80 por hora trabalhada, quatro vezes menos que um trabalhador alemão ou americano (https://oglobo.globo.com/economia/brasil-aparece-na-lanterna-em-ranking-de-produtividade-22398977).

Os resultados díspares na educação brasileira trazidos acima demonstram outro tipo de desigualdade tão gritante quanto a de renda e de riqueza: a educacional. Talvez essa seja uma das mais perversas desigualdades por perpetuar a pobreza de filhos de pais sem instrução que não contam com uma estrutura pública adequada para romper o ciclo intergeracional de pobreza. Os bons resultados narrados não contradizem, mas reforçam essa visão. A desigualdade educacional é gerada pelas situações favoráveis de poucos em uma sociedade bastante desigual em renda e riqueza, como o privilégio de estudar em colégios particulares de excelência, ou também pelas iniciativas de sucesso isoladas, como a que temos visto em Sobral. Uma visão mais pessimista diria que países como o Brasil tendem a alcançar ainda assim alguns bons resultados, porque a escala da população é suficientemente grande para que haja, mesmo com muita dificuldade, ao menos alguns casos de sucesso. É uma mera questão estatística.

Pelo prisma mais otimista, alguns estudiosos afirmam que a desigualdade é consequência natural do progresso. Os bons casos servem de incentivo para os que ficam momentaneamente para trás. Como exemplo, o município de Gravatá em Pernambuco, buscando elevar os seus resultados na educação, tem se espelhado na experiência de Sobral (http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2018/02/14/gravata-aposta-em-revolucao-na-educacao-e-contrata-quadros-de-sobral-no-ceara/ ). O IMPA, como uma ilha de excelência na matemática no país, não tem se omitido no seu papel transformador, pois há muitos anos promove Olímpiadas de Matemática, inclusive dedicadas às escolas públicas, desenvolvendo a curiosidade em matemática e impulsionando o progresso de estudantes na área.

Educação é uma das unanimidades, quando se discute meios de se desenvolver nações. Um relatório do Banco Mundial de 1993, citado por Martin Ravallion no seu livro The Economics of Poverty, afirmou que a universalização de qualidade do ensino primário é o principal fator para o crescimento equitativo no Leste asiático, variando de 58% no Japão a 87% na Tailândia. Tão somente com o fim desse comportamento bipolar na educação brasileira, é que teremos a certeza que o Brasil já terá alcançado um padrão de desenvolvimento desejado nessa área. É o que esperamos que ocorra o mais rápido possível com uma priorização da educação pelos próximos governos.

2 comentários:

  1. Excelente e esclarecedor artigo! parabéns!

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    1. O artigo demonstra uma insatisfação quanto aos resultados ilusórios de alguns casos isolados na educação. Muito a fazer ainda!

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