Seguindo Ravallion (2016), antes do século
XVIII, o tema pobreza era raramente reconhecido como algo que prejudicasse o
desenvolvimento econômico. A Idade Moderna, que se iniciou com as Grandes
Navegações e o Renascimento, ainda era época de pouca atenção para com a
pobreza. Os pobres eram deixados à margem do processo de desenvolvimento.
O sistema econômico adotado naquela época foi o
Mercantilismo. Thomas Mun, o principal teórico mercantilista, que havia sido
diretor da Companhia das Índias Orientais, a maior empresa de comércio
britânica e a primeira marca mundial, defendia que a riqueza advinha das trocas
comerciais entre países e, ao acreditar que a balança comercial global era um
jogo de soma zero, preconizava que as nações europeias ricas deveriam manter positivas
as suas balanças comerciais – exportações menos importações. Com esta visão de recursos
limitados para a extração de riquezas, o desenvolvimento das nações mais organizadas
era construído às custas da exploração de suas colônias pobres, fato esse que
era desfavorável para a redução da pobreza globalmente.
Internamente, a participação do governo para
minorar a pobreza era um sonho distante. A única participação do governo,
reivindicada à época, era a de maximizar a balança comercial por meio da
manutenção dos baixos custos de produção, o que implicava depauperar as matérias-primas
dos países periféricos e garantir uma mão de obra local paga a salários muito reduzidos.
Assim, a pobreza era encarada como uma
pré-condição para o desenvolvimento; a pobreza tinha essa utilidade então:
possibilitar o crescimento econômico. A “utilidade da pobreza” era um meio para
se atingir esse fim. Entendia-se, inclusive, que a fome da massa de pobres
encorajaria o trabalho.
Similarmente, o aumento do salário diminuiria a
disposição dos pobres ao trabalho, pois acreditava-se que os pobres tinham uma
propensão maior ao lazer, um raciocínio que encontra eco até nos tempos atuais.
Eram emblemáticos os relatos da época sobre a maior procura de bares, quando se
concedia algum aumento de salários aos pobres. Teoricamente, acreditava-se que
a curva de oferta de trabalho em função do salário dos trabalhadores era
decrescente, ou seja, o efeito renda era maior que o efeito substituição do
lazer pelo trabalho nas curvas de utilidade dessa população pobre. Essa crença
não era plausível, haja vista que alguns defendiam contrariamente que o efeito
substituição passava a dominar, mas quando os salários eram maiores, no caso da classe
mais rica, fazendo com que a curva fosse crescente nesse trecho (Figura abaixo).
Era uma questão empírica que não chegou a ser comprovada. Além do mais, a curva neoclássica de oferta de trabalho é côncava, não convexa como na figura.
Fonte: Ravallion (2016), elaboração
própria.
Muito menos, deveriam os governos dar suporte
direto aos pobres, a exemplo da transferência de renda, visto que viam que não
só desencorajaria o trabalho, como também inflaria os salários na economia, o
que afetaria o modelo de desenvolvimento do Mercantilismo. Para os teóricos
sociais da atualidade, essa intervenção do governo, apesar da distorção econômica
que afetaria os contribuintes e empregadores, seria meritória no contexto da
função redistributiva para o qual os estados contemporâneos caminharam.
Lembremo-nos do atual Bolsa Família, que, além
de ter proporcionado diretamente renda a milhões de brasileiros, certamente provocou
indiretamente melhoria da renda do restante da população mais desprovida.
A visão cruel da pobreza à época do
Mercantilismo não passava também de uma forma de racionalizar o privilégio dos
ricos, aliviando-lhes os seus complexos de culpa. Segundo eles, os pobres
gastariam mais de seus ganhos salariais em lazer e vícios. Considerações de
julgamento moral sobre a virtude do trabalho para os pobres e a tentativa de
interferir nas preferências desse público vulnerável deram origem a um
comportamento de paternalismo de interferência do estado, que ainda hoje domina
as discussões sobre medidas de combate à pobreza.
Em suma, enquanto que a pobreza nos dias de
hoje é considerada um empecilho para o desenvolvimento, naquele tempo, era tomada
como uma “mercadoria social”, paga a salário vil em prol de manter uma economia
competitiva. Quase nenhuma atuação governamental de combate à pobreza era
vislumbrada. Isso começou a mudar com as profundas transformações históricas de
fins do século XVIII. Antes disso, no próximo post, veremos porém como eram algumas
políticas sociais incipientes e esparsas antes do Século das Luzes.
Bibliografia: Ravallion, M. The
Economics of Poverty. Oxford University Press, 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário