domingo, 18 de março de 2018

A História da Pobreza – Mercantilismo – por Ravallion (2)


Seguindo Ravallion (2016), antes do século XVIII, o tema pobreza era raramente reconhecido como algo que prejudicasse o desenvolvimento econômico. A Idade Moderna, que se iniciou com as Grandes Navegações e o Renascimento, ainda era época de pouca atenção para com a pobreza. Os pobres eram deixados à margem do processo de desenvolvimento.

O sistema econômico adotado naquela época foi o Mercantilismo. Thomas Mun, o principal teórico mercantilista, que havia sido diretor da Companhia das Índias Orientais, a maior empresa de comércio britânica e a primeira marca mundial, defendia que a riqueza advinha das trocas comerciais entre países e, ao acreditar que a balança comercial global era um jogo de soma zero, preconizava que as nações europeias ricas deveriam manter positivas as suas balanças comerciais – exportações menos importações. Com esta visão de recursos limitados para a extração de riquezas, o desenvolvimento das nações mais organizadas era construído às custas da exploração de suas colônias pobres, fato esse que era desfavorável para a redução da pobreza globalmente.

Internamente, a participação do governo para minorar a pobreza era um sonho distante. A única participação do governo, reivindicada à época, era a de maximizar a balança comercial por meio da manutenção dos baixos custos de produção, o que implicava depauperar as matérias-primas dos países periféricos e garantir uma mão de obra local paga a salários muito reduzidos.

Assim, a pobreza era encarada como uma pré-condição para o desenvolvimento; a pobreza tinha essa utilidade então: possibilitar o crescimento econômico. A “utilidade da pobreza” era um meio para se atingir esse fim. Entendia-se, inclusive, que a fome da massa de pobres encorajaria o trabalho.

Similarmente, o aumento do salário diminuiria a disposição dos pobres ao trabalho, pois acreditava-se que os pobres tinham uma propensão maior ao lazer, um raciocínio que encontra eco até nos tempos atuais. Eram emblemáticos os relatos da época sobre a maior procura de bares, quando se concedia algum aumento de salários aos pobres. Teoricamente, acreditava-se que a curva de oferta de trabalho em função do salário dos trabalhadores era decrescente, ou seja, o efeito renda era maior que o efeito substituição do lazer pelo trabalho nas curvas de utilidade dessa população pobre. Essa crença não era plausível, haja vista que alguns defendiam contrariamente que o efeito substituição passava a dominar, mas quando os salários eram maiores, no caso da classe mais rica, fazendo com que a curva fosse crescente nesse trecho (Figura abaixo). Era uma questão empírica que não chegou a ser comprovada. Além do mais, a curva neoclássica de oferta de trabalho é côncava, não convexa como na figura.


 Fonte: Ravallion (2016), elaboração própria.

Muito menos, deveriam os governos dar suporte direto aos pobres, a exemplo da transferência de renda, visto que viam que não só desencorajaria o trabalho, como também inflaria os salários na economia, o que afetaria o modelo de desenvolvimento do Mercantilismo. Para os teóricos sociais da atualidade, essa intervenção do governo, apesar da distorção econômica que afetaria os contribuintes e empregadores, seria meritória no contexto da função redistributiva para o qual os estados contemporâneos caminharam.

Lembremo-nos do atual Bolsa Família, que, além de ter proporcionado diretamente renda a milhões de brasileiros, certamente provocou indiretamente melhoria da renda do restante da população mais desprovida.

A visão cruel da pobreza à época do Mercantilismo não passava também de uma forma de racionalizar o privilégio dos ricos, aliviando-lhes os seus complexos de culpa. Segundo eles, os pobres gastariam mais de seus ganhos salariais em lazer e vícios. Considerações de julgamento moral sobre a virtude do trabalho para os pobres e a tentativa de interferir nas preferências desse público vulnerável deram origem a um comportamento de paternalismo de interferência do estado, que ainda hoje domina as discussões sobre medidas de combate à pobreza.

Em suma, enquanto que a pobreza nos dias de hoje é considerada um empecilho para o desenvolvimento, naquele tempo, era tomada como uma “mercadoria social”, paga a salário vil em prol de manter uma economia competitiva. Quase nenhuma atuação governamental de combate à pobreza era vislumbrada. Isso começou a mudar com as profundas transformações históricas de fins do século XVIII. Antes disso, no próximo post, veremos porém como eram algumas políticas sociais incipientes e esparsas antes do Século das Luzes.

Bibliografia: Ravallion, M. The Economics of Poverty. Oxford University Press, 2016.

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