domingo, 11 de março de 2018

A História da Pobreza – por Ravallion (1)


Iniciamos aqui uma série de resumos de bons livros sobre o tema pobreza. E o livro escolhido para começarmos é o excelente trabalho de Martin Ravallion, chamado A Economia da Pobreza, escrito no ano de 2016. O citado livro, na verdade um compêndio de 700 páginas, é tão rico e denso, que resolvemos aqui apresentar resumos sequenciais de partes do livro, entremeados com observações e intepretações dos autores deste blog. Iniciaremos pela evolução do pensamento sobre a pobreza nas Idades Antiga e Média.

Antes da Idade Moderna, a pobreza era situação que preocupava pouco à sociedade. Na esteira dos impérios e monarquias, o Estado não era entendido como locus para se solucionar questões ligadas à justiça e redistribuição de renda.

Por volta de 500 a.C., Confúcio até que entendia a pobreza como uma das seis calamidades que deveria ser combatida pelo governo. As demais eram a morte prematura, a doença, a miséria, a aparência repulsiva e a fraqueza. Em contraposição, havia cinco bençãos: meios amplos, vida longa, saúde, bom caráter e aparência agradável. Contudo, ele ainda não se preocupava com a pobreza crônica associada à desigualdade da riqueza. A pobreza só deveria merecer alguma atenção, quando ameaçasse a ordem harmoniosa da sociedade. Segundo ele, “Quando as pessoas mantiverem as suas respectivas posições sociais, não haverá pobreza; quando a harmonia prevalecer, não haverá escassez para as pessoas; quando houver calma, não haverá rebeliões”.

Foto: Aristóteles

Aristóteles, um dos maiores filósofos gregos, afirmava já em 350 a.C. que a justiça distributiva deveria atender à meritocracia, ou seja, que as premiações econômicas e sociais deveriam ser alocadas de acordo com o mérito. Esse raciocínio influenciou significativamente a humanidade, impregnando o pensamento ocidental moderno, sendo uma filosofia atraente para uma livre classe média e uma esperança para os pobres livres desde aqueles tempos. É bom que se ressalte a adjetivação “livre”, pois, como sabemos, a Grécia contava com um contigente escravo que a sustentava. Apesar de Aristóteles já conhecer e trabalhar conceitos como “igualdade de oportunidades” e “liberdade”, estes eram institutos que, perante à escravidão, eram de aplicação mitigada. Valorizava muito mais a “ordem natural” das posições sociais.

Nos primeiros tempos, os governos não exerciam papel preponderante no combate à pobreza, restringindo-se a atacar somente aspectos transientes da pobreza, como a fome. De tão omissos, os governos faziam muito menos do que a caridade praticada pelas sociedades que eram incentivadas pelas onipresentes organizações religiosas. Em 50 a.C., o pensador romano Marco Túlio Cícero, que era contrário à redistribuição de renda, defendia que beneficência era coisa totalmente distinta da justiça social. Esta cabia ao Estado garanti-la, enquanto que aquela era exclusividade do voluntarismo das pessoas caridosas.

O frade católico erudito Tomás de Aquino, ainda no século XIII, compartilhava com Aristóteles a ideia de que a redução da pobreza não era tarefa de governos. O clérigo inovou com a compreensão generosa de que um roubo poderia ser perdoado, caso o ladrão corresse o risco de morrer de fome, o chamado furto famélico. Apesar disso, Tomás de Aquino, assim como Aristóteles, era defensor dos direitos privados de propriedade e o furto famélico apenas pudia ser aceito como um caso extremo de necessidade. Fora isso, o religioso considerava qualquer roubo como pecado mortal.

Assim, a pobreza, no começo da humanidade, era assunto relegado a planos inferiores. Foi apenas nos últimos 200 anos que a pobreza ganhou notoriedade como algo a ser erradicado das sociedades. Mas, antes de chegarmos à Idade Contemporânea, passaremos ainda por outras concepções insensíveis à pobreza durante o mercantilismo. Deixemos para o próximo post.

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