Iniciamos aqui uma série de resumos de bons
livros sobre o tema pobreza. E o livro escolhido para começarmos é o excelente
trabalho de Martin Ravallion, chamado A Economia da Pobreza, escrito no ano de
2016. O citado livro, na verdade um compêndio de 700 páginas, é tão rico e
denso, que resolvemos aqui apresentar resumos sequenciais de partes do livro,
entremeados com observações e intepretações dos autores deste blog. Iniciaremos
pela evolução do pensamento sobre a pobreza nas Idades Antiga e Média.
Antes da Idade Moderna, a pobreza era situação
que preocupava pouco à sociedade. Na esteira dos impérios e monarquias, o
Estado não era entendido como locus
para se solucionar questões ligadas à justiça e redistribuição de renda.
Por volta de 500 a.C., Confúcio até que entendia a
pobreza como uma das seis calamidades que deveria ser combatida pelo governo.
As demais eram a morte prematura, a doença, a miséria, a aparência repulsiva e a
fraqueza. Em contraposição, havia cinco bençãos: meios amplos, vida longa,
saúde, bom caráter e aparência agradável. Contudo, ele ainda não se preocupava com a
pobreza crônica associada à desigualdade da riqueza. A pobreza só deveria merecer alguma atenção, quando ameaçasse a ordem harmoniosa da sociedade. Segundo ele, “Quando
as pessoas mantiverem as suas respectivas posições sociais, não haverá pobreza;
quando a harmonia prevalecer, não haverá escassez para as pessoas; quando
houver calma, não haverá rebeliões”.
Foto: Aristóteles
Aristóteles, um dos maiores filósofos gregos,
afirmava já em 350 a.C. que a justiça distributiva deveria atender à
meritocracia, ou seja, que as premiações econômicas e sociais deveriam ser
alocadas de acordo com o mérito. Esse raciocínio influenciou significativamente
a humanidade, impregnando o pensamento ocidental moderno, sendo uma filosofia
atraente para uma livre classe média e uma esperança para os pobres livres
desde aqueles tempos. É bom que se ressalte a adjetivação “livre”, pois, como
sabemos, a Grécia contava com um contigente escravo que a sustentava. Apesar de
Aristóteles já conhecer e trabalhar conceitos como “igualdade de oportunidades”
e “liberdade”, estes eram institutos que, perante à escravidão, eram de
aplicação mitigada. Valorizava muito mais a “ordem natural” das posições
sociais.
Nos primeiros tempos, os governos não exerciam
papel preponderante no combate à pobreza, restringindo-se a atacar somente aspectos
transientes da pobreza, como a fome. De tão omissos, os governos faziam muito menos
do que a caridade praticada pelas sociedades que eram incentivadas pelas onipresentes
organizações religiosas. Em 50 a.C., o pensador romano Marco Túlio Cícero, que
era contrário à redistribuição de renda, defendia que beneficência era coisa
totalmente distinta da justiça social. Esta cabia ao Estado garanti-la,
enquanto que aquela era exclusividade do voluntarismo das pessoas caridosas.
O frade católico erudito Tomás de Aquino, ainda
no século XIII, compartilhava com Aristóteles a ideia de que a redução da
pobreza não era tarefa de governos. O clérigo inovou com a compreensão generosa
de que um roubo poderia ser perdoado, caso o ladrão corresse o risco de morrer
de fome, o chamado furto famélico. Apesar disso, Tomás de Aquino, assim como
Aristóteles, era defensor dos direitos privados de propriedade e o furto
famélico apenas pudia ser aceito como um caso extremo de necessidade. Fora
isso, o religioso considerava qualquer roubo como pecado mortal.
Assim, a pobreza, no começo da humanidade, era
assunto relegado a planos inferiores. Foi apenas nos últimos 200 anos que a
pobreza ganhou notoriedade como algo a ser erradicado das sociedades. Mas,
antes de chegarmos à Idade Contemporânea, passaremos ainda por outras
concepções insensíveis à pobreza durante o mercantilismo. Deixemos para o
próximo post.
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