quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O Índice de Desenvolvimento Inclusivo (IDI) de Davos

O Produto Interno Bruto, mais conhecido pela sigla PIB, tornou-se a medida de referência para o crescimento econômico, desde que o economista bielorrusso Simon Kuznets propusera, nos idos anos 30, o sistema de contabilidade das contas nacionais, de modo a estimar a produção anual de riquezas de países. Mais que isso, sendo um indicador hegemônico de mensuração econômica, passou a ser utilizado como proxy para a evolução do bem-estar. O PIB serviu, inclusive, para propósitos de avaliação de desenvolvimento de países, elegendo governos com agenda pró-crescimento e, inclusive, derrubando governos que fracassassem nesse objetivo.

Acontece que nem o PIB nem o PIB per capita deram conta de descrever o desenvolvimento em muitos países, dado que era plenamente factível um país crescer economicamente, mas distribuindo essa riqueza de modo muito desigual. Naturalmente, o PIB tem suas limitações de origem, já que não foi criado para medir desenvolvimento, mas sim crescimento. Sendo assim, não podemos cobrar algo que ele não tinha nenhuma obrigação de fazer.

Nessa esteira, é que surgiram concepções de novos indicadores, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas e do Índice para uma Vida Melhor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, estes sim indicadores de bem-estar.

O que o Fórum Econômico Mundial fez, na semana passada em Davos, foi introduzir mais uma alternativa aos demais indicadores de bem-estar, o Índice de Desenvolvimento Inclusivo (IDI) (https://www.weforum.org/reports/the-inclusive-development-index-2018), que ainda está em teste. Ao tradicional PIB per capita, juntaram-se outros onze indicadores subdivididos em três dimensões: 1) Crescimento e desenvolvimento, 2) Inclusão e 3) Equidade e sustentabilidade intergeracionais.



Na proposta de Davos, há indicadores que diversificam a visão de desenvolvimento ortodoxa praticada por esse fórum anual, encarado como o símbolo do capitalismo mundial na atualidade. O grande impacto do índice reside na dimensão Inclusão, que reúne indicadores de distribuições da renda e de riqueza nacionais: o Gini da renda líquida, o Gini da riqueza, a Taxa de pobreza e a Renda mediana familiar. Nesse mesmo sentido de abertura, essa iniciativa contempla indicadores de Taxa de Ocupação no mercado de trabalho e de Expectativa de vida saudável, que representam também uma preocupação social, mas, desta vez, inseridos na dimensão de Crescimento e desenvolvimento. Também, inova com indicadores ambientais, tais como, a Poupança líquida ajustada e a Intensidade de carbono. Por outro lado, alinhado ao seu permanente viés econômico, o Fórum reafirma a importância do PIB per capita, da Produtividade do trabalho, da Dívida pública e da Razão de dependência.

Essas escolhas confirmam que a desigualdade e o desequilíbrio ambiental têm preocupado não só organizações humanitárias, como também organismos antes considerados insensíveis a essas causas. Afinal de contas, as desigualdades, quando exacerbadas, acabam por prejudicar o próprio crescimento econômico, e as questões ambientais podem comprometer o futuro da humanidade. Não acreditamos que seja um artifício para satisfazer opositores ao Fórum Econômico, mas antes uma tendência que já temos visto em organismos internacionais. Com essa iniciativa, o IDI adota também como filosofia o tripé – econômico, social e ambiental – preconizado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda criada pelas Nações Unidas visando melhorar as condições de vida do planeta em 2030.

Os resultados do IDI são apresentados em dois grupos separados de países, as economias avançadas e as emergentes. O Brasil encontra-se em 37° entre os 74 países emergentes. A sua avaliação é elevada pela boa performance na dimensão de equidade e sustentabilidade intergeracionais, com uma economia de baixo carbono e uma favorável razão de dependência, enquanto que vai muito mal nos indicadores da dimensão de inclusão, como os Ginis de riqueza e renda, e razoável nos indicadores da dimensão de crescimento e desenvolvimento. Comparativamente, encontramo-nos após muitos países latino-americanos, como Panamá (6°), Uruguai (8°), Chile (9°), Costa Rica (12°), Peru (14°), Paraguai (20°), Argentina (23°), México (24°), Nicarágua (29°), Colômbia (30°) e El Salvador (35°). Entre os BRICS, o país estaria em uma posição intermediária, entre Rússia (19°), China (26°), Índia (62°) e África do Sul (69°). O Brasil se posicionaria em 65° entre os 103 países medidos, caso os grupos fossem juntados. Caso possa essa junção, merece indagarmos a razão de se criarem dois grupos separados, quando a metodologia parece única.

Levando-se em conta que os índices multidimensionais exigem cuidados relacionados à composição dos seus indicadores individuais, alguns detalhamentos precisam ser elucidados no cálculo do IDI. A primeira é como se dá a normalização de cada indicador. Ou seja, antes de aglutinar indicadores com unidades diversas, tais como valores monetários (como PIB per capita) ou temporais (como expectativa de vida), eles devem sofrer transformação de modo a se tornarem todos eles adimensionais, possibilitando a junção e obtenção do índice final. Tome-se o exemplo do IDH das Nações Unidas, que conjuga variáveis também distintas, como renda monetária e anos de expectativa de vida. Lá, normalizou-se a expectativa de vida de um país, tomando-se, após estudos, o mínimo de 20 anos e o máximo de 85 anos. Assim, um país que tenha 20 anos ou menos de expectativa de vida terá valor 0 para esse indicador e, caso tenha 85 anos ou mais, terá valor igual a 1. Portanto, o indicador de expectativa de vida não vale mais o seu valor original em anos, mas um valor normalizado entre 0 e 1, o que permite a agregação de indicadores tão distintos. Voltando ao IDI, o documento disponível não elucida como foram efetuadas essas normalizações, o que nos obriga a esperar por maiores informações em publicações posteriores.

A segunda questão diz respeito aos pesos atribuídos a cada indicador para compor o IDI final, fato que deve refletir a ordem de importância de cada indicador dentro da metodologia. Caso um indicador tenha peso igual ao dobro de outro indicador, o primeiro tem uma importância na composição do índice final equivalente ao dobro do peso dado ao último. Caso os pesos sejam iguais, não há preferência entre um ou outro e é a solução mais coerente, quando não se tem conhecimento da importância relativa entre eles. No IDH e em tantos outros índices multidimensionais, é estabelecido um peso igual  para os indicadores, fato que, até ser publicada a metodologia em melhores detalhes, acreditamos que tenha ocorrido também com o IDI.

A última questão matemática relativa ao IDI que levantamos é se a operação de junção dos indicadores é aditiva ou multiplicativa. Se for aditiva, significa que os indicadores têm caráter substitutivo, ou seja, um indicador de valor ruim pode ser compensado por um valor bom de outro indicador de igual magnitude. Já se a composição algébrica for multiplicativa, um valor ruim de um indicador acaba por dominar o valor do índice final, não ocorrendo que outro indicador de valor de mesma magnitude possa compensar o estrago causado pelo primeiro indicador.

Esses detalhes não são curiosidades apenas matemáticas, mas definições que revelam as preferências na metodologia, muitas vezes até mais que os doze indicadores já divulgados. Aí sim, poderemos analisar mais a fundo as decisões tomadas pelos formuladores do índice. O IDI, segundo vídeo de apresentação no site, será lançado para valer em abril deste ano, data em que esperamos que melhores informações sejam fornecidas para que possamos efetuar melhores análises. Vamos aguardar!

2 comentários:

  1. Texto muito interessante que aborda o significado e a limitação de divesas medidas de bem estar.

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    1. Em outro post, quando sair o detalhamento do IDI, poderei fazer um comparativo entre IDH, IDI e BLI. O assunto é interessante por si só.

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