O crescimento americano no pós-guerra na
esteira do New Deal e a consequente
melhora das condições de vida dos seus cidadãos também geraram pobreza, fato
que provocou surpresa para o americano médio.
A partir dos anos 40, os EUA passaram por drástica
mudança estrutural. A demanda da indústria da defesa, que atraiu os
trabalhadores do campo sobretudo do sul do país, e a maior demanda por comida
levaram à modernização da agricultura e ao deslocamento de um grande
contingente de trabalhadores rurais para as grandes cidades. Acontece que
muitos não encontraram emprego caindo na pobreza, principalmente os
afrodescendentes. Geograficamente, a pobreza, que era rural e dispersa pelos
estados sulistas, passou a se concentrar nas grandes cidades ao norte.
Localmente, as famílias ricas mudaram-se para subúrbios com os incentivos
hipotecários, enquanto que as pobres permaneceram nas áreas centrais das
cidades, deficitárias de serviços públicos.
Em um contexto de franco crescimento econômico,
os americanos se surpreenderam com estudos apontando a existência de pobreza em
seu próprio território. Dois estudos se destacaram: a Sociedade Afluente do economista John Kenneth Galbraith (1958) e A Outra América do cientista político
Michael Harrington (1962). Esse movimento foi marcado pelo desenvolvimento de novas
teorias e de dados obtidos das pesquisas estatísticas e análises que
desvendavam condições de vida e estabeleciam medições de pobreza. A sociedade
americana se chocou, quando foi revelado que quase 1 em cada 5 americanos era
pobre. Não que as pesquisas fossem inovações da época, pois já existiam
pesquisas e estudos quantitativos 70 anos antes com Charles Booth e Benjamin Rowntree.
Ocorre que agora comentários qualitativos na mídia e livros populares passaram
a influenciar mais fortemetente a opinião pública.
Galbraith e Harrington descreveram a pobreza minoritária nos EUA, resultado
da redução da pobreza perante o vigoroso crescimento econômico, não obstante a
sua permanência em um tamanho considerável. O fato de muitos pobres anteriores
migrarem para a classe média, mas muitos outros pobres ficarem para trás,
colocou em xeque as acreditadas mobilidade social e igualdade de oportunidades
na América. Galbraith identificava duas razões para que as pessoas pobres não
conseguissem aproveitar as oportunidades. A primeira ele atribuía a alguma
deficiência física ou mental de algumas pessoas, enquanto a segunda apontava a
existência de bolsões de pobreza. Harrington acrescentava a essa razões o fato
de que as transformações econômicas profundas geravam não só ganhadores como
perdedores.
Essa expansão da consciência pública quanto à
pobreza, os grandes protestos ocorridos nos anos 60 e os inúmeros debates
políticos provocaram uma resposta política do governo federal. Oriundo do New
Deal na década de 30, o programa Aid to
Families with Dependent Children (AFDC), programa de transferência para
mães pobres solteiras, teve a sua elegibilidade ampliada. A Guerra contra a Pobreza da
administração do presidente Lyndon Johnson consistiu de um conjunto famoso de
programas introduzidos em 1964-65, em nutrição (Food Stamps), saúde (Medicare e
Medicaid), educação (Head Start, Elementary and Secondary Education Act de
1965), habitação, capacitação, entre outros.
Conversa entre o Presidente Lyndon Johnson e
Martin Luther King
Essas intervenções governamentais tinham
objetivos de promoção da redução da pobreza. Mas tinham também um objetivo de
alcançar os afrodescendentes nos guetos das cidades do norte e diminuir a
desordem social espalhada nos centros urbanos na década de 60. Essas políticas
visavam incorporá-los ao desenvolvimento urbano ao buscar melhorar o seu acesso
aos serviços públicos. Digno de nota é que a pobreza rural recebeu muito menos
atenção.
Ainda em relação à caracterização dessas novas
políticas sociais, um novo sistema de entrega governamental emergiu. Criou-se
um consenso de que para dar mais efetividade à intervenção governamental, os
programas deveriam ignorar os níveis estaduais e locais, atendendo diretamente
os cidadãos na ponta. Esse novo arranjo administrativo refletia o entendimento
de que governos estaduais e locais, especialmente os do sul, impunham
obstáculos para políticas de combate à pobreza e às novas leis de direitos
civis. Essas novas políticas anti-pobreza baseadas nas comunidades tornaram-se
predominantes inclusive a partir dos anos 90 nos países em desenvolvimento.
Avaliando as razões para essas transformações
sociais e institucionais – de políticas anti-pobreza ao advento de direitos
civis – , vemos que a comunidade negra tornaram-se mais organizadas politicamente
nos guetos, bem como as revoltas nesses ambientes também levavam os ricos a
apoiarem mudanças em prol dos mais pobres. Mas essas mudanças não foram
baseadas apenas em razões políticas. Era uma resposta de políticas públicas
baseadas em evidências, ideias e debates que permearam o período. Desde o
início, esse movimento rejeitou as concepções utilitaristas e fundou as suas
elaborações em direitos e oportunidades. A principal peça legislativa no
período foi o Economic Opportunity Act
e acriação de órgão para fiscalizar os gastos federais em novas políticas que
deveriam cobrar das instâncias estadual e local que se opunham ao povo mais
pobre, gerando corrupção e discriminação racial e julgando os mais desvalidos
não merecedores dos novos benefícios sociais. Havia também uma diretriz de
apoiar organizações não governamentais que trabalhavam com conscientização de
direitos das comunidades mais pobres.
A mais
importante inovação foi a busca de se medir a efetividade das políticas
públicas de combate à pobreza. Um esforço administrativo passou a ser feito nos
estágios iniciais de implementação de novas políticas por meio de experimentos
randomizados de testes piloto de programas sociais. O conhecimento gerado serviu
para dar suporte à Guerra contra a Pobreza e destacou-se nessa ação a criação
do Instituto de Pesquisa sobre Pobreza, criado em 1966 na Universidade de
Wisconsin-Madinson, que utilizava avaliações baseadas em métodos experimentais
e não experimentais, o que passou a ser copiado em outras partes do mundo.
A maioria dos intelectuais e estudiosos da
Guerra contra a Pobreza nos EUA não eram economistas, apesar de estes terem
sido envolvidos nas discussões a respeito do tema. Alguns dos economistas
importantes que contribuiram para o tema ainda carregavam nas suas análises a
escola welfarista e utilitarista, o que era muito mais confortável para eles do
que ficar tratando de direitos. Participavam com o intuito de tentar fechar as
lacunas negativas da teoria do desenvolvimento welfarista. Uma preocupação
recorrente era o desincentivo ao trabalho que poderia provocar programas
sociais focalizados nos mais pobres, devido a taxa interna de imposto marginal
de 100% dos beneficiários. Um expoente na época foi Milton Freedman, que fez
uma proposta radical de substituir todos esses programas pelo Imposto de Renda
Negativo.
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