Junto a outros tipos de desigualdade sociais, a desigualdade de ganhos salariais
entre homens e mulheres é um dos temas mais importantes dos nossos tempos,
levantando polêmica contumazmente. Internacionalmente, a questão foi
contemplada no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 5, que preconiza
“alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Em
âmbito nacional, tem sido alvo de debates políticos. Recentemente, um notório
presidenciável defendeu que a diferença de salários entre homens e mulheres é
algo esperado, não devendo o Estado se intrometer nos resultados produzidos
pelo mercado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE,
o rendimento médio das mulheres no Brasil em 2016 corresponde a 76,5% do dos
homens, apesar do grau de instrução delas ser maior do que deles (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem.html).
Pergunta-se quais as razões que levam homens a ganharem mais do que
mulheres. É conhecido o dilema enfrentado pelas mulheres na escolha entre a
maternidade e a carreira. Poucas conseguem conduzir com sucesso ambos os projetos
de vida. Além de expor estatísticas, estamos interessados em explorar causas
dessa discrepância. O nível educacional e a experiência de trabalho menores
impactam os resultados alcançados pelas mulheres? Qual a razão de algumas
mulheres escolherem empregos tipicamente femininos ou mesmo ficarem fora do
mercado de trabalho, dedicando-se à rotina dos trabalhos domésticos? A biologia
diferente e os gostos inerentes entre os dois gêneros explicam essa diferença
ou a discriminação histórica contra a mulher acaba por deixá-la em desvantagem?
No Brasil, as mulheres possuem uma escolaridade maior do que os homens.
Entre os 25 e 44 anos de idade, 21,5% das mulheres, contra 15,6% dos homens,
possuem nível superior completo no país. A Teoria do Capital Humano prediz que
maior escolaridade leva a maiores salários, mas isso parece contradizer os
resultados acima. Acontece que não basta analisar a escolaridade simplesmente tomando-se
os resultados de conclusão no nível superior, pois salta à vista que as
mulheres e homens costumam frequentar diferentes cursos universitários que
podem influenciar em suas carreiras e na sua empregabilidade. Alguns cursos que
possuem predominância de homens são considerados redutos masculinos com pouca
penetração feminina. É exatamente neste ponto que a segregação ocupacional se
inicia influenciando os rendimentos futuros.
O que vem impactar realmente os rendimentos é menos a educação e mais a
experiência das mulheres no mercado de trabalho. As mulheres, por possuírem o privilégio
da maternidade, acabam por se ausentarem do mercado, durante essa fase que se
estende não raro até as crianças começarem na escola ou na creche. As mulheres
que decidem pela maternidade acabam por se colocar em uma situação de desvantagem
ao dos homens, que gozam do benefício de não sofrerem essas interrupções em
suas carreiras. Esses períodos de afastamento geram perdas, uma vez que as
habilidades e os conhecimentos sobre o trabalho realizado anteriormente geralmente
se depreciam, novos conhecimentos disseminados deixam de ser aprendidos e,
muitas vezes, há ainda o tempo extra de busca por um emprego adequado, nem
sempre coincidindo qualitativamente com o anterior. Segundo Lang (2007), isso
acaba por influenciar o comportamento das mulheres, que, por esperarem se
afastar periodicamente dos trabalhos, tendem a investir menos em suas carreiras,
assim como em empregos que demandam muito investimento em preparação.
E não são só filhos que afetam e interrompem as carreiras das mulheres.
Como se não bastasse, o casamento costuma também empurrar as mulheres para os
serviços domésticos, enquanto os homens permanecem no mercado de trabalho. Mesmo
que os dois possuam habilidades domésticas, basta um pequeno diferencial de
potencial de ganhos no mercado de trabalho por parte de um dos parceiros para levar
o mais talhado deles a se dedicar ao trabalho externo, deixando o outro com os
serviços domésticos (Lang, 2007). Essa é a realidade brasileira, tendo em vista
que o IBGE revelou que em 2016 as mulheres, mesmo inseridas no mercado de
trabalho, acumulavam afazeres domésticos e cuidados de pessoas, perfazendo 3
horas por semana em média a mais do que os homens. Considerando apenas cuidados
pessoais e serviços domésticos, as mulheres brasileiras trabalhavam 18 horas
semanais, 73% a mais do que as 10,5 dos homens (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem.html
).
Portanto, não é difícil perceber que isso leva mulheres a ocuparem mais
vagas de professoras, enfermeiras, atendentes de serviços de bordo e diaristas,
enquanto que homens são vistos mais em carreiras como médicos, pilotos,
zeladores e jardineiros, criando certas estratificações de gênero. De acordo
com Lang (2007), nos Estados Unidos, mesmo controlando por escolaridade e
experiência, as pessoas que trabalham em ocupações com alta proporção de
mulheres ganham menos do que ocupações semelhantes com baixas proporções de
mulheres. Há um clara segregação ocupacional que prejudica salarialmente não só
as mulheres, como também as ocupações em que as mulheres são a maioria.
Para elucidar o que ocorre no mercado de trabalho, Lang (2007) expõe
diversos modelos de discriminação contra a mulher no mercado de trabalho que podem
explicar em grande parte essas diferenças. Passamos a descrever um desses
modelos abaixo.
Mais uma vez, a explanação do modelo fundamenta-se na maior
probabilidade de as mulheres, perante os homens, se afastarem mais do trabalho,
tendo em vista as razões já comentadas acima. A diferença de tratamento nesse
mercado de trabalho pode ser atribuída ao fato de que o empregador não conhece
se determinado trabalhador, seja homem ou mulher, pretende ou não se afastar do
trabalho no futuro. Considerando a maior probabilidade de afastamento das
mulheres, como o empregador não sabe se determinada mulher vai permanecer na
vaga oferecida, por mais que ela pretenda não se afastar, ele não a contratará ao
invés de um homem, porque, em fazendo, ele poderá incorrer em prejuízo, caso
ela se afaste.
Melhor explicando, tomemos um exemplo elucidativo. Suponha um mercado de
trabalho simplificado com dois períodos e ignoremos a taxa de desconto entre
esses períodos. Suponha um tipo de emprego que não precise de treinamento para
ser exercido. Trabalhadores neste emprego receberiam $10.000 por período.
Agora, suponha um outro tipo de emprego que necessite de treinamento no
primeiro período, antes do trabalhador conseguir bem produzir no segundo
período. Neste caso, é oferecido um salário de $15.000 no primeiro período e um
de $ 25.000 no segundo. Nesta situação, é fácil perceber que todos os
trabalhadores desejarão trabalhar na segunda empresa que oferece treinamento.
No entanto, o problema é que o trabalhador que espera se afastar do
emprego após o primeiro período trabalhado, também desejará o segundo tipo de emprego
com treinamento, que pagaria $15.000 contra $10.000 que paga o outro. Neste
cenário, os homens (os quais devem em grande parte permanecer na vaga pelos dois
períodos) e as mulheres (algumas que se afastarão no segundo período) desejarão
ambos competir pelas vagas desse tipo de emprego com treinamento. Do outro
lado, a empresa proprietária da vaga com treinamento provavelmente não
contratará a mulher, pois essa tem maior chance de, após treinada no primeiro
período, afastar-se no período seguinte, fazendo com que a empresa perca o
investimento realizado. Se a empresa pudesse reconhecer entre a mulher que se
afastaria e aquela que não, a empresa poderia oferecer à segunda mulher a vaga,
enquanto a outra, não. Mas a empresa não consegue distinguir entre os dois
tipos de mulheres, o que leva a empresa a negar emprego para todas as mulheres.
É o que o autor chama de discriminação estatística.
Este tipo de discriminação gera uma segregação ocupacional no mercado de
trabalho, em que alguns empregos são mais para homens e outros são mais para
mulheres. Mais do que isso, gera também uma desigualdade de resultados em que
as ocupações típicas de homens pagam melhor do que as ocupações típicas de
mulheres, acentuando a injustiça.
Para os Estados Unidos, Lang (2007) também aponta algumas estatísticas
interessantes em relação aos resultados salarias para o advento do casamento.
Quando comparados com homens ou mulheres solteiros com forças laborais
semelhantes, os casais auferem um diferencial de salário: de 12% para os homens
e de 4% para as mulheres. Ele apresenta que a razão para isso é o fato de que
pessoas casadas, especialmente os homens, passam a ser dotados de maior senso
de responsabilidade com a família e acabam trabalhando mais. Todavia, no caso
de casais com dois filhos ou mais, os maridos têm prêmios de salário maiores do
que os homens solteiros, enquanto que as esposas tem uma penalidade de cerca de
10% a menos em relação às mulheres solteiras. Já tratamos da especialização
entre trabalhos domésticos e mercado de trabalho que geralmente acontecem entre
mulheres e homens. Isso é agravado pelo oneroso sistema de proteção da primeira
infância e pela política pouco generosa de licenças de maternidade e
paternidade existentes nos Estados Unidos. Apesar das estatísticas serem
americanas, nada nos afasta da hipótese de que algo semelhante deva acontecer
no Brasil, ao menos em certo grau.
Aqui, aproximamo-nos do que é crucial na redução das desigualdades
salariais entre os gêneros. Mesmo políticas públicas que exijam salários iguais
entre homens e mulheres para a mesma vaga nas empresas são ainda insuficientes
para proporcionar uma redução ainda maior das discrepâncias. Parece-nos
incontestável e lógico, pelos modelos que foram descritos acima, que o fator
principal a impactar a diferença de escolhas universitárias, a segregação
ocupacional, discrepância entre salários e os tempos dedicados aos serviços
domésticos, reside na obrigatoriedade da maternidade e no protagonismo dos
cuidados da primeira infância exclusivamente para as mulheres. Para a primeira
infância, a construção de creches já é uma política pública conhecida e amplamente
aceita pela sociedade, devendo ser aprimorada cada vez mais no nosso país.
Para a questão da maternidade, há de se inovar para se buscar equalizar
as situações laborais entre homens e mulheres, de modo a proporcionar igualdade
de oportunidades a ambos no mercado de trabalho. Hoje, na iniciativa privada
brasileira, a licença maternidade é de 120 dias e a licença paternidade, de 5
dias. Para equilibrar essa situação, alguns países e empresas pelo mundo têm decidido
majorar a licença paterna de modo que ambas as licenças se equivalam, promovendo
não só igualdade de gêneros, como também maiores cuidados dos pais com a
primeira infância. Somos conscientes que uma decisão de política pública desse
tipo envolveria também questões caras como direitos trabalhistas e interesses
dos empregadores, uma vez que impactaria também a produtividade laboral da
economia como todo. É uma escolha que sociedades devem fazer, decidindo se
intervenções em prol da igualdade de gênero valem mais do que os efeitos
negativos de eficiência econômica, ao menos mais imediatos.
Em suma, apesar de as mulheres terem conquistado um significativo espaço
nas últimas décadas, ainda operam instituições sociais, segregações
ocupacionais e discriminações – mesmo que as estatísticas – que as impedem de
diminuir as diferenças de gênero. Ao contrário do conformismo por parte dos
conservadores de que todos os avanços já foram efetuados, há ainda margem para
melhorar comparativamente as remunerações das mulheres, bem como espaços que as
mulheres precisam conquistar na nossa sociedade, como mais postos gerenciais e maior participação política.
Bibliografia: Lang,
Kevin. Poverty and discrimination. Princeton University Press, 2007.
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