quarta-feira, 29 de agosto de 2018

A História da Pobreza – o novo pensamento no início do século XX – por Ravallion (8)

Na virada do século XX, a compreensão das causas da pobreza renovou-se. A pobreza deixou de ser vista como resultado das falhas morais dos mais pobres (apesar de nunca desaparecer completamente essa concepção) e passou a ser vista como consequência de choques e forças econômicas agravadas pela desigualdade já presente.

O economista Alfred Marshall, em Princípios da Economia (1890), reclamava que filhos de pais pobres recebiam pouca educação, o que o estimulou a elaborar várias políticas de combate à pobreza na modalidade de promoção, em que ações debelariam permanentemente a situação de pobreza. Para ele, as crianças deveriam ser auxiliadas a sair da pobreza, inclusive via financiamento por um imposto de renda progressivo. Também, antecipou a concepção de que a desigualdade é inibidora do desenvolvimento.

Na sociedade, as famílias mais pobres começaram a investir na educação dos seus filhos, uma vez que não só a saúde teveavanços derrubando as taxas de mortalidade, como também houve uma nova percepção de aumento da mobilidade social. Demandando por mais educação para o seus filhos, os pais objetivavam a própria melhora do bem-estar futuro, pois os sistemas de previdência ainda não se desenvolveram. Mas, ao contrário de antes, as famílias passaram a apostar na qualidade de suas crianças e não mais quantidade; a taxa de fertilidade caiu.

O advento de novas tecnologias auxiliou também no alívio da pobreza. O processo de Haber-Bosch de sintetizar a amônia em 1913 possibilitou a produção de fertilizantes nitrogenados e, consequentemente, o aumento de área plantada. Junto ao uso dos pesticidas, a produção de alimentos quadruplicou no século XX e afastou as previsões pessimistas de Malthus sobre a falta de comida e a explosão da pobreza, apesar do efeito danoso ao meio ambiente pelo uso desenfreado e ineficiente desses produtos.

Institucionalmente, pudemos ver movimentos nos Estados Unidos em limitar o poder político e econômico de grandes corporações (trusts) que, por meio de monopólios e oligopólios, distorciam o mercado e elevavam a desigualdade de riqueza. São dessa época a legislação antitruste, a Lei Sherman (1890), as novas regulações do sistema financeiro e as criações do Federal Trade Comission e do Federal Reserve Board, os correspondentes Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e Banco Central americanos.

Após a primeira guerra mundial, ocorreu uma proeminência da preocupação com o bem-estar das crianças. Com isso, foram criados programas de transferência de renda paras viúvas decorrentes da guerra, assim como legislações que exigiam a entrada das crianças na escola, restringindo o trabalho infantil, com a proibição do trabalho insalubre delas. Nos Estados Unidos, o seu primeiro programa foi implementado um pouco antes da primeira guerra, o Mothers’ Pension, que fazia transferências em dinheiro para viúvas e mães solteiras com crianças. Foi criado no estado de Illinois e expandido para os outros estados nos 20 anos seguintes.

Academicamente, os economistas deixaram de ser importantes nas discussões sobre pobreza, o protagonismo foi transferido gradualmente para cientistas sociais e estatísticos. Em grande parte, os economistas aprisionaram-se na filosofia moral do utilitarismo (veja no post).

Uma exceção merece ser destacada. Uma mudança de rumo aconteceu com o economista e sociólogo Vilfredo Pareto, que, em seu Manual de Economia Política (1906), elaborou condições de otimalidade para decisões econômicas que prescindiam de comparações interpessoais como fazia o utilitarismo. Por esta corrente econômica, a comparação interpessoal se dava por meio da cardinalidade que era permitida pelas funções de utilidade. Pareto rejeitou qualquer ideia de utilidade cardinal e desenvolveu a sua economia com base em preferências ordinais, enunciando que alocação ótima de bens seria aquela máxima em que não se pudesse melhorar a situação de nenhuma pessoa, sem piorar a das demais pessoas.

Pareto mostrou que um processo de trocas livres possibilitaria atingir o ótimo em uma economia. Existiria uma única alocação ótima de Pareto dada uma dotação inicial dos agentes econômicos. Mais tarde, esse resultado seria formalizado como o Primeiro Teorema do Bem-estar econômico: equilíbrios de mercado competitivo são ótimos de Pareto. Acontece que qualquer distribuição inicial de dotação de bens, mesmo a mais desigual, pode alcançar um ótimo de Pareto – também desigual – por meio de uma economia de mercado. Esse fato levou os seguidores da economia Paretiana a defender que não cabia à economia comparar o bem-estar entre as pessoas, tornando esses julgamentos – do que é justo em uma sociedade –  externos à ciência econômica. No entanto, a otimalidade de Pareto influenciou trabalhos de justiça em outras áreas.

Mais marcante ainda nas ciências sociais foi a grande importância dada a incidência de pobreza absoluta como instrumento para medir o progresso social. Arthur Bowley (1915), professor de estatística da London School of Economics (LSE), afirmou que não haveria melhor teste para medir o desenvolvimento de uma nação do que a proporção de pobres. Nos Estados Unidos, Allyn Young (1917) advogou em favor de medidas distribucionais com base em níveis de renda e riqueza, em vez das novas medidas unidimensionais de desigualdade que estavam surgindo, a exemplo do Índice de Gini. A discordância se devia ao fato de que o índice de Gini considerava implicitamente como ideal uma desigualdade zero, o que, para ele, era impraticável e indesejável.

Assim, as primeiras décadas do século testemunharam o desenvolvimento de novas técnicas de amostragem estatística, em que se destacaram Arthur Bowley, Ronald Fisher e Jerzy Neyman. Os avanços metodológicos nas técnicas de amostragem permitiram a equipe da LSE, aconselhada por Bowley a partir de 1928, sistematizar pesquisas de campo domiciliares sobre a pobreza em Londres. Fisher, como subproduto dos seus experimentos na agricultura, registrado em Desenho de Experimentos (1935), gerou uma série de ferramentas de avaliações de programas antipobreza, os quais passariam a ser conhecidos por avaliações de impacto.

As medidas de pobreza passaram a ser a principal aplicação da estatística social. Métodos de amostragem revolucionaram a coleta de dados de renda e despesas das famílias por meio das pesquisas amostrais efetuadas pelos órgãos nacionais de estatística. Vale destacar o órgão de estatística da Índia, que, na figura renomada do estatístico Prasanta Mahalanobis, iniciou em 1950 a medição da pobreza no país.



Historicamente, a Grande Depressão de 1929 trouxe um grande marco do papel do Estado para a estabilização macroeconômica, no esteio das contribuições e de John Maynard Keynes. Embora a preocupação fosse com o desemprego causado pela alegada falta de demanda agregada, a questão da pobreza que atingia a massa de desempregados não era um elemento distante. Na sua Teoria Geral de Emprego, Juros e Dinheiro (1936), de acordo com Keynes, era a estimulação da demanda agregada que conduziria ao pleno emprego e isso implicava uma maior parcela da renda nacional no bolso das famílias mais pobres para promover o crescimento econômico, pelo menos até que o pleno emprego fosse atingido. Ele se contrapôs ao fenômeno defendido pelos economistas sobre o conflito de promover crescimento e equidade concomitantemente.

Na verdade, Keynes não escreveu sobre pobreza e desigualdade, mas acerca de como a alta taxa de desemprego atrapalharia a demanda agregada na economia, prejudicando a recuperação econômica. O argumento de que a propensão marginal de consumo seria superior para as famílias mais pobres, o que sugeria redistribuição dos ricos para os pobres para promover aumento da demanda agregada e redução do desemprego, solapou a ideia fixa do conflito crescimento-equidade. Posteriormente, novas pesquisas de comportamento de consumo intertemporal, tais como a hipótese de renda permanente de Friedman, apontaram que esse efeito redistributivo do keynesianismo desapareceria no longo prazo. Mas, Keynes estava preocupado apenas com o curto prazo e anunciava que

no longo prazo nós todos estaremos mortos. Economistas se colocam tão facilmente em uma tarefa inútil se, em épocas tempestuosas, eles somente podem dizer-nos que, quando a tempestade longa passar, o oceano volta à calmaria novamente [tradução livre].

No esteio da teoria keynesiana e da Grande Depressão, o Presidente americano Franklin Roosevelt introduziu uma série de novos programas sociais, entitulados New Deal, com destaque para a legislação de seguridade social, que incluiu a pensão para os idosos, transferências para famílias com crianças dependentes e benefícios para os desempregados. O imposto de renda progressivo introduzido anteriormente pelo presidente Willian Taft proporcionou o financiamento para essas iniciativas. Apesar de serem políticas de proteção em vez de promoção, essas ações governamentais representaram um alívio para a pobreza. Disse Roosevelt (1937) que “o teste de nosso progresso não é se nós adicionamos mais de nossa abundância para aqueles que tem muito; mas se nós provemos o bastante para aqueles que tem tão pouco”.

No próximo post sobre a história da pobreza, abordaremos o novo surto de pensamentos e ideias sobre a luta contra a pobreza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário