Os anos pós-guerra foram marcados pela queda
significativa dos números de extrema pobreza e por muitas inovações nos
pensamentos econômico e filosófico que influenciaram as políticas antipobreza.
Observando o gráfico de incidência de pobreza, percebe-se claramente uma quebra nos anos 50 em razão de uma aceleração na redução da extrema pobreza. Mais ainda: a taxa de extrema pobreza continuou em queda atingindo atualmente patamares historicamente bem reduzidos.
Contribuiu para essa trajetória decrescente da
pobreza uma segunda onda de pensamentos econômicos. Diferentemente dos
primeiros em fins do século XVIII (posts anteriores), que aconteceram em um
ambiente de aumento generalizado de pobreza na velha Europa em transformação, a
recente eclosão de ideias em favor de políticas antipobreza ocorreu em tempos
de questionamentos radicais e instabilidades, mas sem aumento dos índices de
pobreza, ao menos nos países ricos. As demandas desta vez eram por novas
liberdades no mundo. Nos países ricos, aconteceram movimentos civis e sociais, a
exemplo dos movimentos pela paz e equidade social de gênero na década de 60. Nos
países pobres, sobrevieram movimentos de independência nacional acompanhados
por revoltas políticas e econômicas, tal qual a independência de dezenas de
países africanos.
Esse contexto de transformações sociais e
políticas foi acompanhado do advento de novas opções teóricas na economia, em
especial do paradigma do utilitarismo clássico utilizado majoritariamente nas
ações públicas contra a pobreza e a e desigualdade (veja sobre o utilitarismo). O utilitarismo
era criticado pela sua omissão quanto aos direitos e liberdades dos pobres e
pela neutralidade em relação às desigualdades de bem-estar, afinal de contas,
por essa teoria, perdas dos mais pobres poderiam ser compensadas pelos ganhos suficientemente
altos dos mais ricos.
Em uma frente de renovação, a teoria econômica
passou a ser invadida por valores éticos de auxilio aos mais pobres, redundando
em príncipios de justiça social, o que veremos no próximo post. Na década de
70, houve também tentativas de remodelar o utilitarismo incorporando a aversão
à desigualdade das utilidades. Por elas, o bem-estar social marginal – o gradiente de
bem-estar referente à mais alta utilidade marginal – cairia com o nível dessa
utilidade.
Na década de 80, uma nova teoria econômica
controversa emergiu da consideração da importância de direitos e liberdades individuais. A
liberdade de trocas em prol de um mercado competitivo já era algo valorizado de
longa data pela economia. Entretanto, colocar novos direitos e liberdades na
ciência causou contestações dos estudiosos tradicionais. Formulações não
utilitaristas surgiram elevando as liberdades à questão central, tendo como
teórico protagonista nessa linha, o economista indiano Amartya Sen.
Segundo Sen, deveriam ser atendidas funcionalidades,
ações na vida das pessoas, tais como estar seguro, viver até a velhice com
qualidade, estar empregado, e participar de atividades sociais e econômicas em
geral. As capacidades consistiam de um conjunto de funcionalidades disponíveis
a uma pessoa dadas as circunstâncias. Sen propôs que o bem-estar humano fosse
mensurado pelas capacidades de uma pessoa. A ideia de pobreza advinha da
deficiência de liberdades individuais para viver a vida que se desejasse,
devido a uma série de privações de capacidades básicas.
Apesar da crítica ao utilitarismo, a teoria das
capacidades não negou a racionalidade das pessoas, expressa pela importância da
maximização das utilidades, nem que o bem-estar social deveria ser avaliado
pelos níveis de bem-estar individuais, mas, pelo contrário, se contrapôs ao que
era bem-estar e ao bem-estar baseado somente em bens (commodities) ignorando as diferenças entre as pessoas.
Até 1950, os economistas evitavam comparações
distributivas entre as pessoas nas análises econômicas, fato que limitou o
escopo de análise econômica normativa de pobreza e a distribuição de renda.
Isso começou a mudar pela contribuição de muitos economistas a partir de então,
como Kenneth Arrow (1951) e Amartya Sen (1970), que apontaram a necessidade, de
alguma forma, de comparação interpessoal nas discussões de políticas
antipobreza. Considerações éticas que eram vistas como item externo à ciência
econômica tornaram novamente a ser consideradas nas análises de políticas.
Assim, a questão distributiva voltou a ganhar
corpo. O tema distribuição havia sido uma questão central na economia clássica
nos primórdios. A abordagem de David Ricardo baseado em classes exerceu grande
influência no século XIX. Mas as definições de classes eram mais claras e
revelantes à época do que nos dias de hoje. Atualmente, processa-se um mercado
de trabalho crescentemente estratificado – ser um trabalhador assalariado não
implica mais ser pobre –, bem como uma maior diversificação da propriedade do
capital, haja vista novas instituições financeiras como os fundos de pensão.
O mais surpreendente é que o tema emergente, a
desigualdade, sofreu resistência política de diversos lados. A direita via o
tema desigualdade como um estopim para uma guerra de classes e, por isso, era
avaliado como algo perigoso que deveria ser ignorado. Paradoxalmente, a
esquerda radical via todo esse movimento como um esforço neoliberal de
estratificar a classe trabalhadora de modo a distraí-la do que se julgava
importante.
As décadas de 70 e 80 testemunharam uma profusão
de novas medidas de pobreza e desigualdade, assuntos que estavam até então nas
franjas da ciência econômica; mas não estariam mais.
Outros avanços surgiram a partir de contestações das premissas da economia clássica. A racionalidade foi atacada pela economia comportamental, que apontou as limitações da formulação das funções de utilidade. Critérios de bem-estar social e de otimalidade de Pareto também foram colocados em xeque para a condução de políticas sociais. Na década de 60, novas causas da pobreza foram concebidas por novas teorias, como a de retornos econômicos de capital humano de Gary Becker, que comparava e avaliava o investimento em educação em função dos retornos esperados futuros contra os custos correntes.
A economia clássica foi solapada pelos novos
estudos na década de 50 que apontavam a existência de falhas de mercado, que evidenciavam imperfeições no funcionamento
de mercados, entre eles os de trabalho e de crédito, que impactariam mais os pobres e justificavam a intervenção governamental.
As ideias de que o mercado de trabalho era
competitivo e de que os salários se ajustariam até que o desemprego deparecesse
já eram contestadas desde a Grande Depressão. A partir de década de 60, a
concepção de um mercado de trabalho dual passou a ser reconhecido entre os
países ricos. Existiria um equilíbrio para esse mercado com dois grupos: um com
altos salários e outro com baixos salários.
Esse fenômeno acontecia em
decorrência do alto custo de monitoramento do esforço de trabalho exercido. Ao
grupo de altos salários era dado um prêmio salarial para dotar a escolha dos
trabalhadores de incentivos econômicos,
dada a dificuldade de se monitorar o esforço. Às atividades de baixo custo de
monitoramento eram destinados baixos salários, consistindo de um segmento ocupado pelos mais pobres.
No mercado de crédito, o trabalho seminal de George Alerlof mostrou como o crédito
poderia apresentar falhas de mercado em razão da assimetria de informação entre
os emprestadores e os tomadores, o que prejudicaria predominantemente os mais
pobres, pois estes, por não possuirem riqueza como garantia, representariam
maior risco de empréstimo. Esse problema implicaria, como exemplo,
subfinanciamento de educação das crianças pobres e um consequente aumento do
trabalho infantil.
Por fim, foi amplamente aceito que
desigualdades iniciais eram uma situação social persistente e que prejudicariam
o progresso econômico, o que levou a adoção de políticas antipobreza de
promoção, como leis de educação compulsória e amplo apoio orçamentário à
educação.
No próximo post, abordaremos a teoria de
justiça de John Rawls.
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