A Revolução Industrial dava os seus primeiros
passos, quando a Europa e os Estados Unidos foram sacudidos por transformações
sociais e políticas em fins do século XVIII. A máquina a vapor inventada por James
Watt favoreceu não só a industrialização na Inglaterra, como também a sua urbanização, uma vez que agora a fonte de energia prescendia da localização
próxima aos cursos de água com potencial hidrelétrico. Assim, surgiram grandes
parques industriais na Inglaterra, tendo como maior destaque o de Manchester.
Na verdade, é mais fácil compreender a Revolução Industrial como consequência do que como causa das grandes mudanças no Século das Luzes. Não é à toa que ela
tenha se iniciado na Inglaterra, haja vista a contribuição da Revolução
Gloriosa de 1688, que equilibrou os poderes entre a realeza e o parlamento,
assim como o advento da Lei das Patentes, a diminuição de impostos sobre as
manufaturas e o corte de monopólios reais, que impulsionaram os negócios. Por
outro lado, as novas políticas e tecnologias enfrentaram alguma resistência de outras nações, como a Rússia, o Império Austro-húngaro e a França, que necessitou de
uma revolução política para avançar para novos tempos. Enquanto isso, do outro
lado do Atlântico, nos Estados Unidos, uma nação emergente abraçava tais
novidades sem solavancos.
Junto às alterações políticas e tecnológicas,
sobrevieram mudanças sociais, explicitadas pelos inúmeros ensaios filosóficos
na época. Tendo como pano de fundo o aumento da pobreza e da desigualdade, era
cada vez mais fixa a ideia de que o Estado poderia exercer um papel importante
no combate às desigualdades de oportunidade, que favoreciam os setores mais
abastados, e aos privilégios manipulados e não competitivos de mercado, às
vezes, agravados pela própria atuação do Estado. Emergiu a consciência da
importância de novas instituições econômicas e políticas que deveriam atender a
todo o povo, a exemplo do sufrágio universal. Na literatura, nunca antes havia
sido escrito tanto sobre pobreza, miséria e indulgência.
O lema da Revolução
Francesa – Liberté, Égalité, Fraternité – revelava os vários avanços nessa
linha de pensamento. A arguida liberdade correspondeu ao significado comumente dado
nos tempos modernos, no sentido de proporcionar a todos participações cidadã e
política. Já a igualdade alcançava apenas os direitos legais relacionados à
igualdade de oportunidades. Permanecia, pois, na França, na época do Código
Napoleônico, a concepção de alocação da riqueza em função das habilidades das
pessoas e o entendimento de afastamento do Estado das questões redistributivas,
ao menos, momentaneamente.
O Iluminismo,
base filosófica para todos esses acontecimentos, foi um movimento que envolveu
todas as grandes questões da época, inclusive uma nova visão sobre a pobreza e
a desigualdade, as quais se passou a entender que não eram mais inevitáveis.
Um pouco antes, no século XVII, Thomas Hobbes já
perguntava como deveria ser um bom governo para coibir o estado natural de
conflito que existiria em uma sociedade sem regras. Essa era uma questão
controversa e muito debatida. No século seguinte, o iluminista Jean-Jacques Rousseau, em sua obra
Discurso sobre a Origem da Desigualdade (1754), trabalhava, em substituição ao
estado natural, a ideia de desigualdade natural que decorreria de diferenças
inatas, como saúde, força, habilidade mental, etc. No entanto, essa
desigualdade era agravada pelas instituições existentes, gerando uma
desigualdade moral e política. Para o seu contemporâneo Immanuel Kant, todo ser humano deveria ser tratado “como fim, nunca
como meio”. Houve a sobrelevação da agenda de combate à pobreza e à
desigualdade, cujo protagonismo de atuação deveria pertencer ao Estado.
O pensamento econômico também evoluiu. Grande
expoente da época, Adam Smith atacou
o mercantilismo e o defendido balanço de pagamentos, baseado no superávit de commodities, como medida de bem-estar
das nações. O economista é lembrado por defender a virtude do interesse próprio de cada
agente econômico como indutor do crescimento econômico e do bem-estar coletivo
em ambientes de mercados competitivos e de garantia de direitos de propriedade.
Com essa visão abrangente da economia, segundo Ravallion, Adam Smith viu que,
em prol do desenvolvimento, a luta contra a pobreza seria algo a ser perseguido.
A garantia da propriedade, porém, não deixava de ser um instituto que
perpetuava a pobreza, mas os ganhos em incentivos econômicos eram maiores.
Entendia-se que “a desigualdade de hoje é necessária para evitar a pobreza
amanhã”, concepção que ecoou e influenciou por séculos muitas escolas de
pensamento econômico. Por outro lado, foi banida a ideia de que a pobreza tinha
uma utilidade intrínseca para as economias e de que os pobres trabalhariam
menos com o aumento dos salários. Apesar do não intervencionismo
estatal e do livre mercado, Adam Smith também defendeu subsídios para cobrir a
educação dos mais pobres.
Surgiram, assim, as primeiras propostas
práticas de minorar a desigualdade. A arrecadação de impostos, bem como a
estrutura de gastos governametais, poderiam servir de meio para redistribuir a
renda ou, ao menos, não agravar o estado de desigualdade já crescente à época.
O sistema tributário deveria ser progressivo, com os ricos pagando impostos
proporcionalmente mais elevados do que os pobres. Segundo Ravallion, Adam Smith
teria argumentado em favor da isenção para salários de subsistência conjugada com uma progressividade
tributária.
Thomas Paine, na mesma época, defendeu que as
terras agricultáveis, por serem propriedades naturais, deveriam ser taxadas e
as correspondentes receitas destinadas igualmente a todos os adultos, um
benefício que não seria caridade, mas considerado um direito, em razão do alegado direito de que todos cidadãos teriam sobre as terras. Essa foi a primeira
proposta de renda básica universal.
A educação básica universal passou a ser vista
como uma solução para o desenvolvimento das sociedades, assim como a equalização
de direitos fundamentais para as mulheres e todas as raças. O filósofo e
matemático Condorcet advogou pela universalização gratuita da educação básica.
Apesar desses avanços de pensamento, tais ideias foram encaradas como radicais
à época, contra as quais resistiam principalmente os ricos e a Igreja. Demorou
mais de um século para que a massificação da educação e o sufrágio universal
fossem implementados largamente.
Ravallion destaca ainda o nascimento da
pesquisa empírica sobre pobreza pelas mãos de Sir Frederick Eden, que, ainda sem
os recursos da economia moderna, deixou escritos históricos sobre as classes
trabalhadoras inglesas, como também usou de muito empirismo em seus estudos,
chegando a influenciar o debate da Lei dos Pobres.
Em suma, houve grandes avanços no pensamento
sobre a pobreza, evocando o esforço público de combate à pobreza e tornando
essa medida uma questão moral para o Estado. Entretanto, à exceção da Lei dos
Pobres na Inglaterra e no País de Gales, nenhuma articulação de políticas
públicas atuou a favor dos pobres efetivamente. Os principais beneficiários
econômicos dessas mudanças foi a incipiente classe média que até então havia sido excluída do acesso à riqueza e ao poder.
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