terça-feira, 24 de abril de 2018

A História da Pobreza – Os primeiros pensamentos iluministas sobre a pobreza - por Ravallion (4)


A Revolução Industrial dava os seus primeiros passos, quando a Europa e os Estados Unidos foram sacudidos por transformações sociais e políticas em fins do século XVIII. A máquina a vapor inventada por James Watt favoreceu não só a industrialização na Inglaterra, como também a sua urbanização, uma vez que agora a fonte de energia prescendia da localização próxima aos cursos de água com potencial hidrelétrico. Assim, surgiram grandes parques industriais na Inglaterra, tendo como maior destaque o de Manchester.

Na verdade, é mais fácil compreender a Revolução Industrial como consequência do que como causa das grandes mudanças no Século das Luzes. Não é à toa que ela tenha se iniciado na Inglaterra, haja vista a contribuição da Revolução Gloriosa de 1688, que equilibrou os poderes entre a realeza e o parlamento, assim como o advento da Lei das Patentes, a diminuição de impostos sobre as manufaturas e o corte de monopólios reais, que impulsionaram os negócios. Por outro lado, as novas políticas e tecnologias enfrentaram alguma resistência de outras nações, como a Rússia, o Império Austro-húngaro e a França, que necessitou de uma revolução política para avançar para novos tempos. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, uma nação emergente abraçava tais novidades sem solavancos.

Junto às alterações políticas e tecnológicas, sobrevieram mudanças sociais, explicitadas pelos inúmeros ensaios filosóficos na época. Tendo como pano de fundo o aumento da pobreza e da desigualdade, era cada vez mais fixa a ideia de que o Estado poderia exercer um papel importante no combate às desigualdades de oportunidade, que favoreciam os setores mais abastados, e aos privilégios manipulados e não competitivos de mercado, às vezes, agravados pela própria atuação do Estado. Emergiu a consciência da importância de novas instituições econômicas e políticas que deveriam atender a todo o povo, a exemplo do sufrágio universal. Na literatura, nunca antes havia sido escrito tanto sobre pobreza, miséria e indulgência.

O lema da Revolução Francesa – Liberté, Égalité, Fraternité – revelava os vários avanços nessa linha de pensamento. A arguida liberdade correspondeu ao significado comumente dado nos tempos modernos, no sentido de proporcionar a todos participações cidadã e política. Já a igualdade alcançava apenas os direitos legais relacionados à igualdade de oportunidades. Permanecia, pois, na França, na época do Código Napoleônico, a concepção de alocação da riqueza em função das habilidades das pessoas e o entendimento de afastamento do Estado das questões redistributivas, ao menos, momentaneamente.

O Iluminismo, base filosófica para todos esses acontecimentos, foi um movimento que envolveu todas as grandes questões da época, inclusive uma nova visão sobre a pobreza e a desigualdade, as quais se passou a entender que não eram mais inevitáveis.

Um pouco antes, no século XVII, Thomas Hobbes já perguntava como deveria ser um bom governo para coibir o estado natural de conflito que existiria em uma sociedade sem regras. Essa era uma questão controversa e muito debatida. No século seguinte, o iluminista Jean-Jacques Rousseau, em sua obra Discurso sobre a Origem da Desigualdade (1754), trabalhava, em substituição ao estado natural, a ideia de desigualdade natural que decorreria de diferenças inatas, como saúde, força, habilidade mental, etc. No entanto, essa desigualdade era agravada pelas instituições existentes, gerando uma desigualdade moral e política. Para o seu contemporâneo Immanuel Kant, todo ser humano deveria ser tratado “como fim, nunca como meio”. Houve a sobrelevação da agenda de combate à pobreza e à desigualdade, cujo protagonismo de atuação deveria pertencer ao Estado.



O pensamento econômico também evoluiu. Grande expoente da época, Adam Smith atacou o mercantilismo e o defendido balanço de pagamentos, baseado no superávit de commodities, como medida de bem-estar das nações. O economista é lembrado por defender a virtude do interesse próprio de cada agente econômico como indutor do crescimento econômico e do bem-estar coletivo em ambientes de mercados competitivos e de garantia de direitos de propriedade. Com essa visão abrangente da economia, segundo Ravallion, Adam Smith viu que, em prol do desenvolvimento, a luta contra a pobreza seria algo a ser perseguido. A garantia da propriedade, porém, não deixava de ser um instituto que perpetuava a pobreza, mas os ganhos em incentivos econômicos eram maiores. Entendia-se que “a desigualdade de hoje é necessária para evitar a pobreza amanhã”, concepção que ecoou e influenciou por séculos muitas escolas de pensamento econômico. Por outro lado, foi banida a ideia de que a pobreza tinha uma utilidade intrínseca para as economias e de que os pobres trabalhariam menos com o aumento dos salários. Apesar do não intervencionismo estatal e do livre mercado, Adam Smith também defendeu subsídios para cobrir a educação dos mais pobres.

Surgiram, assim, as primeiras propostas práticas de minorar a desigualdade. A arrecadação de impostos, bem como a estrutura de gastos governametais, poderiam servir de meio para redistribuir a renda ou, ao menos, não agravar o estado de desigualdade já crescente à época. O sistema tributário deveria ser progressivo, com os ricos pagando impostos proporcionalmente mais elevados do que os pobres. Segundo Ravallion, Adam Smith teria argumentado em favor da isenção para salários de subsistência conjugada com uma progressividade tributária.

Thomas Paine, na mesma época, defendeu que as terras agricultáveis, por serem propriedades naturais, deveriam ser taxadas e as correspondentes receitas destinadas igualmente a todos os adultos, um benefício que não seria caridade, mas considerado um direito, em razão do alegado direito de que todos cidadãos teriam sobre as terras. Essa foi a primeira proposta de renda básica universal.

A educação básica universal passou a ser vista como uma solução para o desenvolvimento das sociedades, assim como a equalização de direitos fundamentais para as mulheres e todas as raças. O filósofo e matemático Condorcet advogou pela universalização gratuita da educação básica. Apesar desses avanços de pensamento, tais ideias foram encaradas como radicais à época, contra as quais resistiam principalmente os ricos e a Igreja. Demorou mais de um século para que a massificação da educação e o sufrágio universal fossem implementados largamente.

Ravallion destaca ainda o nascimento da pesquisa empírica sobre pobreza pelas mãos de Sir Frederick Eden, que, ainda sem os recursos da economia moderna, deixou escritos históricos sobre as classes trabalhadoras inglesas, como também usou de muito empirismo em seus estudos, chegando a influenciar o debate da Lei dos Pobres.

Em suma, houve grandes avanços no pensamento sobre a pobreza, evocando o esforço público de combate à pobreza e tornando essa medida uma questão moral para o Estado. Entretanto, à exceção da Lei dos Pobres na Inglaterra e no País de Gales, nenhuma articulação de políticas públicas atuou a favor dos pobres efetivamente. Os principais beneficiários econômicos dessas mudanças foi a incipiente classe média que até então havia sido excluída do acesso à riqueza e ao poder.

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