Como indicado no post anterior, os
séculos XVI e XVII foram um período em que a pobreza era tema relegado ou,
quando muito, considerada uma situação que deveria ser mantida em prol do
crescimento econômico na égide do modelo mercantilista. Todavia, isso não
evitou que as primeiras políticas sociais de combate à pobreza surgissem. Vale
lembrar que eram em outros moldes e pouco comparáveis aos dias de hoje.
Essas primeiras iniciativas foram
motivadas pela preocupação com a estabilidade social ameaçada pelo aumento da
pobreza entre a iniciante classe trabalhadora, oriunda da migração do campo
para as grandes cidades europeias, e mesmo a classe média, já sujeita a choques negativos já no alvorecer do capitalismo. Esses eventos negativos,
tais como a perda de emprego, doenças e acidentes, agravavam a pobreza e a fome.
Houve assim o reconhecimento de que o capitalismo possuía ciclos de alta e
baixa e as mudanças tecnológicas exigiam adaptações sociais. No entanto, as
ações abordavam a pobreza somente de modo paliativo e passavam ao largo das
questões de desigualdade.
Nos séculos XVI e XVII, como
resultado das transformações setoriais nas maiores cidades, sobretudo as
inglesas, veio o advento das primeiras políticas sociais, para responder a
miséria e, como alegado pelas elites, a ampla vagabundagem nas ruas. Para se ter uma ideia melhor, o ócio dos
ladrões era considerado o principal problema social. À título de exemplo, segundo Ravallion, a primeira força policial na Inglaterra, a Polícia do Rio
Tâmisa criada em 1800, foi estabelecida para policiar os trabalhadores
suspeitos na capital inglesa, não para proteger toda a população, entre eles os
mais pobres.
A principal medida foi a criação
das casas de trabalho financiadas
pelo poder público. Segundo Ravallion, William Petty argumentava que era melhor
empregar o pobre em trabalhados improdutivos – era conhecido a sua proposta de
um projeto público que fizesse os pobres mover pedras da Stonehenge para a
Tower Hill em Londres – do que deixá-los no ócio. As primeiras casas
de trabalho foram criadas no fim do século XVI e consistia em fazer com que os
beneficiários aceitassem o encarceramento e fossem obrigados a trabalhar em atividades insalubres, entre elas quebrar pedras.
As casas de trabalho não se
sustentavam por meio dos produtos gerados pelo trabalho dos beneficiários
internos, mas antes se justificavam pela concepção de que a pobreza decorria do
mau comportamento, o qual as casas podiam controlar e, quem sabe, corrigi-lo.
Existia também, a ideia de que a politica pública das casas de trabalho
continha um mecanismo automático de focalização, uma vez que se acreditava que
apenas as pessoas mais necessitadas a procurassem. No entanto, isso era
conseguido impondo um alto custo de estigma e subjugação aos participantes,
como é bem retratado pelo garoto Oliver Twist, que dá nome à famosa obra do
escritor inglês Charles Dickens (Figura 1). Esta concepção de política pública,
de auxílio do Estado conjugado à exigência de trabalho, inspirou e inspira
muitas medidas contra a pobreza ainda nos dias de hoje.
Figura 1 – Casa de Trabalho para
miseráveis e órfãos, cena do filme Oliver Twist
Com o aumento das taxas de pobreza
nas grandes cidades inglesas e europeias no século XVI, foram fomentadas novas
ideias de combate à pobreza, entre as quais se destacou o legado do espanhol Juan
Luis Vives. Em Bruges, onde fez carreira, ele escreveu um ensaio que
aconselhava, após realizado um censo da população pobre, que a todos os pobres
aptos ao trabalho deveria ser dado um ofício público ou privado. Caso uma
pessoa não conseguisse o suficiente pelo próprio trabalho, deveria o Estado
promover uma transferência em dinheiro adicional, de modo a essa pessoa
alcançar o nível das suas necessidades básicas.
Na Inglaterra no século XVI, as
ideias de Vives inspiraram a antiga Lei dos Pobres - assim chamada
aqui devido à sua primeira concepção, antes das reformas de 1834 –, que foi implementada
por Henrique VIII e depois formalizada por Elizabete I. A Lei do Pobres era um sistema público financiado localmente e
consistia em pagamentos contingentes à ocorrência de eventos, como velhice,
viuvez, deficiências física e mental, enfermidade e desemprego. As casas de
trabalho ainda operavam para o caso das pessoas consideradas aptas ao
trabalho.
Na iminência do surgimento do Estado
moderno, o papel da proteção social começou, portanto, a ser protagonizada pelo
setor público. Já em fins do século XVIII, a Lei dos Pobres, implementada pelas
localidades inglesas, chegou a somar 2% da renda nacional do país. Enquanto
isso, no restante da Europa, a caridade privada ainda era a principal fonte de
alívio da pobreza, não passando, todavia, de 1% da renda nacional na maioria
dos países. Apesar de a caridade continuar a existir na Inglaterra, houve um
deslocamento da proteção social da sociedade para o Estado.
Apesar das críticas acerca dos
efeitos indesejáveis sobre a força de trabalho das pessoas pobres
– provocava preguiça e alta fertilidade por meio de casamentos
precoces –, a Lei dos Pobres foi uma iniciativa de longa duração e considerada
uma bem sucedida política de proteção social para a época. Ela foi a política
que mais fazia sentido mesmo para uma parte da elite, pois mantinha a
estabilidade social da classe trabalhadora, evitava os tumultos recorrentes e
concedia alguma proteção, não obstante sem ameaçar a desigualdade da riqueza
nas sociedades. Nesse sentido, ela era uma politica predominantemente de
caráter de proteção, ou seja,
visava somente aliviar a pobreza (o que já era muito importante) de choques
negativos com uso de meios paliativos temporários; em contraposição a uma
política social de promoção de
combate à pobreza crônica, que atuaria para fazer com que as famílias
escapassem realmente da pobreza. Quando muito, a Lei dos Pobres foi motivada
por um sentimento de caridade, ficando longe do senso de justiça, esta que
passou a dominar a concepção das futuras políticas sociais, sensíveis ao
aspecto da justiça distributiva.
No próximo post, apresentaremos como
o Iluminismo europeu, nos fins do Século XVIII, acarretou mudanças econômicas,
culturais e sociais, entre elas, uma nova forma de ver e entender a pobreza.
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