domingo, 8 de abril de 2018

A História da Pobreza – As primeiras políticas de combate à pobreza – por Ravallion (3)


Como indicado no post anterior, os séculos XVI e XVII foram um período em que a pobreza era tema relegado ou, quando muito, considerada uma situação que deveria ser mantida em prol do crescimento econômico na égide do modelo mercantilista. Todavia, isso não evitou que as primeiras políticas sociais de combate à pobreza surgissem. Vale lembrar que eram em outros moldes e pouco comparáveis aos dias de hoje.

Essas primeiras iniciativas foram motivadas pela preocupação com a estabilidade social ameaçada pelo aumento da pobreza entre a iniciante classe trabalhadora, oriunda da migração do campo para as grandes cidades europeias, e mesmo a classe média, já sujeita a choques negativos já no alvorecer do capitalismo. Esses eventos negativos, tais como a perda de emprego, doenças e acidentes, agravavam a pobreza e a fome. Houve assim o reconhecimento de que o capitalismo possuía ciclos de alta e baixa e as mudanças tecnológicas exigiam adaptações sociais. No entanto, as ações abordavam a pobreza somente de modo paliativo e passavam ao largo das questões de desigualdade.

Nos séculos XVI e XVII, como resultado das transformações setoriais nas maiores cidades, sobretudo as inglesas, veio o advento das primeiras políticas sociais, para responder a miséria e, como alegado pelas elites, a ampla vagabundagem nas ruas. Para se ter uma ideia melhor, o ócio dos ladrões era considerado o principal problema social. À título de exemplo, segundo Ravallion, a primeira força policial na Inglaterra, a Polícia do Rio Tâmisa criada em 1800, foi estabelecida para policiar os trabalhadores suspeitos na capital inglesa, não para proteger toda a população, entre eles os mais pobres.

A principal medida foi a criação das casas de trabalho financiadas pelo poder público. Segundo Ravallion, William Petty argumentava que era melhor empregar o pobre em trabalhados improdutivos – era conhecido a sua proposta de um projeto público que fizesse os pobres mover pedras da Stonehenge para a Tower Hill em Londres – do que deixá-los no ócio. As primeiras casas de trabalho foram criadas no fim do século XVI e consistia em fazer com que os beneficiários aceitassem o encarceramento e fossem obrigados a trabalhar em atividades insalubres, entre elas quebrar pedras.

As casas de trabalho não se sustentavam por meio dos produtos gerados pelo trabalho dos beneficiários internos, mas antes se justificavam pela concepção de que a pobreza decorria do mau comportamento, o qual as casas podiam controlar e, quem sabe, corrigi-lo. Existia também, a ideia de que a politica pública das casas de trabalho continha um mecanismo automático de focalização, uma vez que se acreditava que apenas as pessoas mais necessitadas a procurassem. No entanto, isso era conseguido impondo um alto custo de estigma e subjugação aos participantes, como é bem retratado pelo garoto Oliver Twist, que dá nome à famosa obra do escritor inglês Charles Dickens (Figura 1). Esta concepção de política pública, de auxílio do Estado conjugado à exigência de trabalho, inspirou e inspira muitas medidas contra a pobreza ainda nos dias de hoje.

Figura 1 – Casa de Trabalho para miseráveis e órfãos, cena do filme Oliver Twist



Com o aumento das taxas de pobreza nas grandes cidades inglesas e europeias no século XVI, foram fomentadas novas ideias de combate à pobreza, entre as quais se destacou o legado do espanhol Juan Luis Vives. Em Bruges, onde fez carreira, ele escreveu um ensaio que aconselhava, após realizado um censo da população pobre, que a todos os pobres aptos ao trabalho deveria ser dado um ofício público ou privado. Caso uma pessoa não conseguisse o suficiente pelo próprio trabalho, deveria o Estado promover uma transferência em dinheiro adicional, de modo a essa pessoa alcançar o nível das suas necessidades básicas.

Na Inglaterra no século XVI, as ideias de Vives inspiraram a antiga Lei dos Pobres - assim chamada aqui devido à sua primeira concepção, antes das reformas de 1834 –, que foi implementada por Henrique VIII e depois formalizada por Elizabete I. A Lei do Pobres era um sistema público financiado localmente e consistia em pagamentos contingentes à ocorrência de eventos, como velhice, viuvez, deficiências física e mental, enfermidade e desemprego. As casas de trabalho ainda operavam para o caso das pessoas consideradas aptas ao trabalho.

Na iminência do surgimento do Estado moderno, o papel da proteção social começou, portanto, a ser protagonizada pelo setor público. Já em fins do século XVIII, a Lei dos Pobres, implementada pelas localidades inglesas, chegou a somar 2% da renda nacional do país. Enquanto isso, no restante da Europa, a caridade privada ainda era a principal fonte de alívio da pobreza, não passando, todavia, de 1% da renda nacional na maioria dos países. Apesar de a caridade continuar a existir na Inglaterra, houve um deslocamento da proteção social da sociedade para o Estado.

Apesar das críticas acerca dos efeitos indesejáveis sobre a força de trabalho das pessoas pobres –  provocava preguiça e alta fertilidade por meio de casamentos precoces –, a Lei dos Pobres foi uma iniciativa de longa duração e considerada uma bem sucedida política de proteção social para a época. Ela foi a política que mais fazia sentido mesmo para uma parte da elite, pois mantinha a estabilidade social da classe trabalhadora, evitava os tumultos recorrentes e concedia alguma proteção, não obstante sem ameaçar a desigualdade da riqueza nas sociedades. Nesse sentido, ela era uma politica predominantemente de caráter de proteção, ou seja, visava somente aliviar a pobreza (o que já era muito importante) de choques negativos com uso de meios paliativos temporários; em contraposição a uma política social de promoção de combate à pobreza crônica, que atuaria para fazer com que as famílias escapassem realmente da pobreza. Quando muito, a Lei dos Pobres foi motivada por um sentimento de caridade, ficando longe do senso de justiça, esta que passou a dominar a concepção das futuras políticas sociais, sensíveis ao aspecto da justiça distributiva.

No próximo post, apresentaremos como o Iluminismo europeu, nos fins do Século XVIII, acarretou mudanças econômicas, culturais e sociais, entre elas, uma nova forma de ver e entender a pobreza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário