O relatório “Nós e as Desigualdades” publicado pela
Oxfam, em dezembro passado, merece ser comentado, dada a riqueza dos seus
resultados e as consequências que nos são tão caras, haja vista a nação
exorbitantemente desigual que somos. Em agosto de 2017, a Oxfam Brasil juntamente ao
Instituto Datafolha foram a campo mensurar a percepção dos brasileiros quanto à
desigualdade nacional. Discordamos de uma das conclusões do relatório, fato
que, não obstante, não compromete os excepcionais resultados da pesquisa.
Segundo o referido relatório (https://www.oxfam.org.br/nos-e-as-desigualdades
), vejamos primeiro o quadro da distribuição de renda brasileira, retirados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) em 2015, realidade que não
deve ter se modificado significativamente em comparação a 2017, ano do estudo.
Cerca de 50% dos brasileiros ganham menos de 1 salário mínimo ao mês, 80% até 2
salários mínimos, e 90% até 3 salários mínimos.
Vamos aos resultados do estudo propriamente
dito.
Quando se perguntou a população para se auto
posicionarem na escala de renda, que vai da pobreza (0) à riqueza (100), 88%
dos entrevistados afirmaram que se encontravam na metade mais pobre da
população. Ou seja, confrontando com a distribuição real, boa parte dos
brasileiros se sentem comparativamente mais pobres do que são realmente, o que
nos faz concluir que a percepção de desigualdade da população é bem distinta da
real. Logo, a população não menospreza essa mazela, mas, ao contrário, tem uma
percepção de desigualdade que é até pior do que a real.
Fonte: Oxfam Brasil/Datafolha 2017
Há uma outra pergunta na entrevista que
confirma essa mesma conclusão da percepção do brasileiro de que a desigualdade é pior
do que os dados apontam. Perguntou-se qual seria a renda necessária para estar
entre os 10% mais ricos do país, lembrando que, como já informado acima, o
valor de 3 salários mínimos - cerca de R$ 3 mil - seriam suficientes para estar entre os 10% mais ricos.
Surpreendentemente, para 67% dos brasileiros, seriam necessários mais de R$ 5
mil mensais para participar do grupo 10% mais rico. Mais estarrecedor é que
quase metade (47%) achou que seria necessário mais de R$ 20 mil para se
enquadrar entre os 10% mais ricos. Ou seja, “os ricos são os outros”. Isso nos
leva mais uma vez a concluir que, diferentemente do que o estudo entende, a
população brasileira na verdade sobrestima a desigualdade. Ao nosso ver, o
brasileiro não se ilude com a desigualdade do país. Pelo contrário, ele vê a
desigualdade pior do que ela é.
As entrevistas também trataram de medir a
aceitação de várias soluções para atacar a desigualdade, entre elas, a questão
tributária. A pergunta inicial foi se “o governo deveria aumentar mais os impostos em
geral para garantir melhor educação, mais saúde e mais moradia para os que
precisam”. Como esperado, 75% dos brasileiros são contra o aumento de impostos,
mesmo que seja para resolver a deficiência de serviços essenciais aos mais
pobres.
A coisa muda totalmente de figura, quando a
pergunta é se “o governo deveria aumentar os impostos apenas de pessoas muito
ricas para garantir melhor educação, mais saúde e mais moradia para os que
precisam”. Desta vez, 71% dos brasileiros são a favor do aumento de impostos de
pessoas muito ricas. Conjugado com o resultado citado anteriormente, em que a
maior parte da população não se acha entre os mais ricos – nem mesmo os apenas
ricos –, entende-se que o cidadão brasileiro apoia mais imposto, desde que ele
não recaia sobre ele próprio.
Como dizia o dramaturgo Henry Becque, “O que
faz a igualdade ser uma questão difícil é que a queremos apenas com nossos
superiores”. Não é à toa que reformulações do modelo de
bem-estar social são difíceis de serem implementados, uma vez que a definição do
corte da população entre contribuintes e beneficiados leva a uma discussão
política infindável. Por mais que uma nova agenda política favoreça uma
redistribuição de renda, nunca saberemos de antemão quem serão os mais ricos a serem
taxados. Há muita gente por aí que se surpreenderá ao ser chamado a contribuir,
apesar de não se achar entre os mais ricos.
Como se não bastassem as inúmeras consequências
advindas da enorme desigualdade que assola o nosso país, ela ainda gera falhas
nas percepções dos cidadãos em magnitude tal que qualquer política pública de
combate enfrenta muitos desencontros de como e quanto fazer. A nossa elevada
desigualdade acaba por sabotar as próprias medidas contra ela.
Outros resultados da Oxfam, tais como o fato do
mérito não explicar as desigualdades e do papel do Estado no combate às
desigualdades, serão tratados em posts
futuros.