O Produto Interno Bruto, mais conhecido pela sigla PIB, tornou-se a medida
de referência para o crescimento econômico, desde que o economista bielorrusso
Simon Kuznets propusera, nos idos anos 30, o sistema de contabilidade das
contas nacionais, de modo a estimar a produção anual de riquezas de países.
Mais que isso, sendo um indicador hegemônico de mensuração econômica, passou a
ser utilizado como proxy para a
evolução do bem-estar. O PIB serviu, inclusive, para propósitos de avaliação de
desenvolvimento de países, elegendo governos com agenda pró-crescimento e,
inclusive, derrubando governos que fracassassem nesse objetivo.
Acontece que nem o PIB nem o PIB per
capita deram conta de descrever o desenvolvimento em muitos países, dado
que era plenamente factível um país crescer economicamente, mas distribuindo
essa riqueza de modo muito desigual. Naturalmente, o PIB tem suas limitações de
origem, já que não foi criado para medir desenvolvimento, mas sim crescimento.
Sendo assim, não podemos cobrar algo que ele não tinha nenhuma obrigação de
fazer.
Nessa esteira, é que surgiram concepções de novos indicadores, a exemplo
do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) das Nações Unidas e do Índice
para uma Vida Melhor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, estes sim indicadores de bem-estar.
O que o Fórum Econômico Mundial fez, na semana passada em Davos, foi introduzir mais uma alternativa aos demais indicadores de bem-estar, o Índice de Desenvolvimento Inclusivo (IDI) (https://www.weforum.org/reports/the-inclusive-development-index-2018), que ainda está em teste. Ao tradicional PIB per capita, juntaram-se outros onze indicadores subdivididos em três dimensões: 1) Crescimento e desenvolvimento, 2) Inclusão e 3) Equidade e sustentabilidade intergeracionais.
Na
proposta de Davos, há indicadores que diversificam a visão de
desenvolvimento ortodoxa praticada por esse fórum anual, encarado como o símbolo do capitalismo mundial na atualidade. O grande impacto do índice reside na dimensão Inclusão,
que reúne indicadores de distribuições da renda e de riqueza nacionais: o Gini
da renda líquida, o Gini da riqueza, a Taxa de pobreza e a Renda mediana
familiar. Nesse mesmo sentido de abertura, essa iniciativa contempla indicadores
de Taxa de Ocupação no mercado de trabalho e de Expectativa de vida saudável,
que representam também uma preocupação social, mas, desta vez, inseridos na
dimensão de Crescimento e desenvolvimento. Também, inova com indicadores
ambientais, tais como, a Poupança líquida ajustada e a Intensidade de carbono.
Por outro lado, alinhado ao seu permanente viés econômico, o Fórum reafirma a
importância do PIB per capita, da
Produtividade do trabalho, da Dívida pública e da Razão de dependência.
Essas escolhas confirmam que a desigualdade e o desequilíbrio ambiental
têm preocupado não só organizações humanitárias, como também organismos antes
considerados insensíveis a essas causas. Afinal de contas, as desigualdades,
quando exacerbadas, acabam por prejudicar o próprio crescimento econômico, e as
questões ambientais podem comprometer o futuro da humanidade. Não acreditamos
que seja um artifício para satisfazer opositores ao Fórum Econômico, mas antes
uma tendência que já temos visto em organismos internacionais. Com essa
iniciativa, o IDI adota também como filosofia o tripé – econômico, social e
ambiental – preconizado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda
criada pelas Nações Unidas visando melhorar as condições de vida do planeta em
2030.
Os resultados do IDI são apresentados em dois grupos separados de
países, as economias avançadas e as emergentes. O Brasil encontra-se em 37° entre os 74 países
emergentes. A sua avaliação é elevada pela boa
performance na dimensão de equidade e sustentabilidade intergeracionais, com
uma economia de baixo carbono e uma favorável razão de dependência, enquanto
que vai muito mal nos indicadores da dimensão de inclusão, como os Ginis de
riqueza e renda, e razoável nos indicadores da dimensão de crescimento e
desenvolvimento. Comparativamente, encontramo-nos após muitos países latino-americanos, como Panamá (6°), Uruguai (8°), Chile (9°), Costa Rica (12°), Peru (14°), Paraguai (20°), Argentina (23°), México (24°), Nicarágua (29°), Colômbia (30°) e El Salvador (35°). Entre os BRICS, o país
estaria em uma posição intermediária, entre Rússia (19°), China (26°), Índia (62°) e África do Sul (69°). O Brasil se
posicionaria em 65° entre os 103 países medidos, caso os grupos fossem juntados. Caso possa essa junção, merece indagarmos a razão de se criarem dois
grupos separados, quando a metodologia parece única.
Levando-se em conta que os índices multidimensionais exigem cuidados
relacionados à composição dos seus indicadores individuais, alguns
detalhamentos precisam ser elucidados no cálculo do IDI. A primeira é como se dá
a normalização de cada indicador. Ou seja, antes de aglutinar indicadores
com unidades diversas, tais como valores monetários (como PIB per capita) ou temporais (como
expectativa de vida), eles devem sofrer transformação de modo a se tornarem todos
eles adimensionais, possibilitando a junção e obtenção do índice final. Tome-se
o exemplo do IDH das Nações Unidas, que conjuga variáveis também distintas, como renda monetária e anos de
expectativa de vida. Lá, normalizou-se a expectativa de vida de um país,
tomando-se, após estudos, o mínimo de 20 anos e o máximo de 85 anos. Assim, um
país que tenha 20 anos ou menos de expectativa de vida terá valor 0 para esse
indicador e, caso tenha 85 anos ou mais, terá valor igual a 1. Portanto, o
indicador de expectativa de vida não vale mais o seu valor original em anos,
mas um valor normalizado entre 0 e 1, o que permite a agregação de indicadores tão distintos. Voltando ao IDI, o documento disponível não elucida como
foram efetuadas essas normalizações, o que nos obriga a esperar por maiores
informações em publicações posteriores.
A segunda questão diz respeito aos pesos atribuídos a cada indicador para
compor o IDI final, fato que deve refletir a ordem de importância de cada indicador
dentro da metodologia. Caso um indicador tenha peso igual ao dobro de outro
indicador, o primeiro tem uma importância na composição do índice final equivalente
ao dobro do peso dado ao último. Caso os pesos sejam iguais, não há preferência
entre um ou outro e é a solução mais coerente, quando não se tem conhecimento
da importância relativa entre eles. No IDH e em tantos outros índices
multidimensionais, é estabelecido um peso igual para os indicadores, fato que, até
ser publicada a metodologia em melhores detalhes, acreditamos que tenha
ocorrido também com o IDI.
A última questão matemática relativa ao IDI que levantamos é se a operação de junção dos
indicadores é aditiva ou multiplicativa. Se for aditiva, significa que os
indicadores têm caráter substitutivo, ou seja, um indicador de valor ruim pode
ser compensado por um valor bom de outro indicador de igual magnitude. Já se a
composição algébrica for multiplicativa, um valor ruim de um indicador acaba
por dominar o valor do índice final, não ocorrendo que outro indicador de valor
de mesma magnitude possa compensar o estrago causado pelo primeiro indicador.
Esses detalhes não são curiosidades apenas matemáticas, mas definições
que revelam as preferências na metodologia, muitas vezes até mais que os doze
indicadores já divulgados. Aí sim, poderemos analisar mais a fundo as decisões
tomadas pelos formuladores do índice. O IDI, segundo vídeo
de apresentação no site, será lançado para valer em abril deste ano,
data em que esperamos que melhores informações sejam fornecidas para que
possamos efetuar melhores análises. Vamos aguardar!