quarta-feira, 13 de março de 2019

A História da Pobreza - o princípio de justiça de John Rawls - por Ravallion (10)


Um trabalho marcante na área social foi a do filósofo e professor de Harvard, John Rawls. A sua obra, Uma Teoria de Justica de 1971, foi uma formulação rigorosa e uma reação humanista ao utilitarismo, escola predominante entre os economistas.


Partindo de um contrato social a ser acordado sob um “véu de ignorância”, em que hipoteticamente as pessoas não saberiam sobre elas mesmo de modo a não escolher um arranjo social que lhe beneficiassem, Rawls propôs dois princípios de justiça que deveriam ser adotados na posição inicial em uma sociedade:

1) Princípio de Liberdade: cada pessoa deve ter igual direito ao mais amplo conjunto de liberdades compatível com o sistema de liberdades do qual as demais usufruem;
2) Princípio da Diferença: atendido o princípio de liberdade anterior, as desigualdades sociais e econômicas são aceitáveis somente quando propiciem o máximo de benefício esperado para os menos favorecidos e estejam garantidos cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades.

Após enunciar um sistema de liberdades fundamentais para todas as pessoas, Rawls inovou com o princípio da Diferença, que afastava o equalitarismo radical, no qual se defende que a igualdade sempre melhora a eficiência. Ao contrário, segundo o filósofo, uma sociedade A desigual pode ser preferível do ponto de vista moral a uma outra sociedade B sem nenhuma desigualdade, desde que os mais pobres estejam melhor na sociedade A. O princípio da Diferença deu origem a prescrição de que as vantagens dos grupos mais desvalidos deveriam ser maximizadas, o que veio a ser conhecida por maxmin.

Muitos interpretam que a ideia maxmin de Rawls implica que as preocupações com desigualdade na sociedade devem ser eliminadas, uma vez que cada um de seus membros passe a estar acima de padrões mínimos de condições de vida. Isso promoveu certamente a adoção de medidas de pobreza absoluta como meio de monitorar o progresso social. Para Ravallion, essa visão única de priorização pela pobreza seria questionável na interpretação do trabalho de Rawls.

Para fugir da formulação utilitarista, Rawls evitou usar o conceito de função utilidade, usando para ordenar a situação socioeconômica das pessoas na sociedade o conceito de expectativa de bem-estar baseado em bens primários, como direitos, poderes, oportunidades, renda, riqueza, etc; todas coisas necessárias para assegurar que se é livre para se viver a vida que se quer. Ou seja, Rawls, para caracterizar os mais desvalidos na sociedade, focava nas liberdades e recursos mínimos necessários para inclusão social.

Rawls foi influenciado por filósofos e economistas, mas sobretudo sua contribuição pertence à escola da Teoria do Contrato Social, consagrada por Thomas Hobbes. No principio da Diferença de Rawls, há inspirações na Revolução Francesa, cujo lema abrangia a fraternidade, no qual se deveria rejeitar grandes vantagens aos ricos a menos que beneficiasse a outros menos favorecidos. Rawls via a sua teoria como uma nova releitura de Immanuel Kant, que advogava que qualquer homem pobre deveria ter o direito de veto sobre proposições que trouxesse ganhos aos mais ricos às suas custas. Adam Smith também entendia que a pobreza de alguns seria inaceitável como meio de prosperidade para os outros.

A teoria de justiça de Raws foi um contraponto nítido ao utilitarismo clássico dos economistas, teoria vista em conflito com a fraternidade. Pelo utilitarismo (vide post sobre o Utilitarismo), poderia haver ganhos para os mais ricos que justificassem perdas para os mais pobres, refletindo a formulação da teoria que preconizava a maximização da soma das utilidades de todos os membros da sociedade. Com a sua prescrição de maximizar as expectativas de bem-estar dos grupos mais desvalidos, Rawls confrontou a visão dominante nas políticas públicas geradas à época.

Mais emblemático ainda foi a consolidação definitiva – ao menos, fora da cabeça dos ultraconservadores –  do pensamento de que a pobreza não se devia unicamente ao “mau comportamento” de uma parcela da população. A pobreza podia refletir sim falta de esforço das pessoas, mas tinha um componente circunstancial muito forte do ambiente precário de privação. Políticas públicas de combate à pobreza passaram a considerar essa distinção conceitual, promovendo novas formulações por parte de filósofos e economistas em nome da, hoje defendida amplamente, igualdade de oportunidades.

Bibliografia:

Ravallion, M. The Economics of Poverty. Oxford University Press, 2016.
Rawls, J. Uma Teoria de Justiça. 3ª ed. traduzida – São Paulo: Martins Fontes, 2008.