Na virada do século XX, a compreensão das
causas da pobreza renovou-se. A pobreza deixou de ser vista como resultado das
falhas morais dos mais pobres (apesar de nunca desaparecer completamente essa
concepção) e passou a ser vista como consequência de choques e forças
econômicas agravadas pela desigualdade já presente.
O economista Alfred Marshall, em Princípios da Economia (1890), reclamava que filhos de pais pobres recebiam pouca educação, o que o estimulou a elaborar
várias políticas de combate à pobreza na modalidade de promoção, em que ações debelariam permanentemente a situação de pobreza. Para ele, as crianças deveriam ser auxiliadas a sair da pobreza,
inclusive via financiamento por um imposto de renda progressivo. Também,
antecipou a concepção de que a desigualdade é inibidora do desenvolvimento.
Na sociedade, as famílias mais pobres começaram
a investir na educação dos seus filhos, uma vez que não só a saúde teveavanços derrubando as taxas de mortalidade, como também houve uma nova percepção de
aumento da mobilidade social. Demandando por mais educação para o seus filhos,
os pais objetivavam a própria melhora do bem-estar futuro, pois os sistemas de
previdência ainda não se desenvolveram. Mas, ao contrário de antes, as
famílias passaram a apostar na qualidade de suas crianças e não mais
quantidade; a taxa de fertilidade caiu.
O advento de novas tecnologias auxiliou também
no alívio da pobreza. O processo de Haber-Bosch de sintetizar a amônia em 1913
possibilitou a produção de fertilizantes nitrogenados e, consequentemente, o
aumento de área plantada. Junto ao uso dos pesticidas, a produção de alimentos
quadruplicou no século XX e afastou as previsões pessimistas de Malthus sobre a
falta de comida e a explosão da pobreza, apesar do efeito danoso ao meio
ambiente pelo uso desenfreado e ineficiente desses produtos.
Institucionalmente, pudemos ver movimentos nos
Estados Unidos em limitar o poder político e econômico de grandes corporações (trusts) que, por meio de monopólios e
oligopólios, distorciam o mercado e elevavam a desigualdade de riqueza. São
dessa época a legislação antitruste, a Lei Sherman (1890), as novas regulações
do sistema financeiro e as criações do Federal
Trade Comission e do Federal Reserve
Board, os correspondentes Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) e Banco Central americanos.
Após a primeira guerra mundial, ocorreu uma
proeminência da preocupação com o bem-estar das crianças. Com isso, foram
criados programas de transferência de renda paras viúvas decorrentes da guerra,
assim como legislações que exigiam a entrada das crianças na escola, restringindo
o trabalho infantil, com a proibição do trabalho insalubre delas. Nos Estados
Unidos, o seu primeiro programa foi implementado um pouco antes da primeira guerra,
o Mothers’ Pension, que fazia
transferências em dinheiro para viúvas e mães solteiras com crianças. Foi criado
no estado de Illinois e expandido para os outros estados nos 20 anos seguintes.
Academicamente, os economistas deixaram de ser
importantes nas discussões sobre pobreza, o protagonismo foi transferido
gradualmente para cientistas sociais e estatísticos. Em grande parte, os
economistas aprisionaram-se na filosofia moral do utilitarismo (veja no post).
Uma exceção merece ser destacada. Uma
mudança de rumo aconteceu com o economista e sociólogo Vilfredo Pareto, que, em seu Manual de Economia Política (1906), elaborou
condições de otimalidade para decisões econômicas que prescindiam de
comparações interpessoais como fazia o utilitarismo. Por esta corrente
econômica, a comparação interpessoal se dava por meio da cardinalidade que era permitida pelas funções de utilidade. Pareto rejeitou qualquer ideia de
utilidade cardinal e desenvolveu a sua economia com base em preferências
ordinais, enunciando que alocação ótima de bens seria aquela máxima em que não
se pudesse melhorar a situação de nenhuma pessoa, sem piorar a das demais
pessoas.
Pareto mostrou que um processo de trocas livres
possibilitaria atingir o ótimo em uma economia. Existiria uma única alocação
ótima de Pareto dada uma dotação inicial dos agentes econômicos. Mais tarde,
esse resultado seria formalizado como o Primeiro Teorema do Bem-estar
econômico: equilíbrios de mercado competitivo são ótimos de Pareto. Acontece
que qualquer distribuição inicial de dotação de bens, mesmo a mais desigual,
pode alcançar um ótimo de Pareto – também desigual – por meio de uma economia
de mercado. Esse fato levou os seguidores da economia Paretiana a defender que
não cabia à economia comparar o bem-estar entre as pessoas, tornando esses
julgamentos – do que é justo em uma sociedade –
externos à ciência econômica. No entanto, a otimalidade de Pareto influenciou trabalhos de justiça em outras áreas.
Mais marcante ainda nas ciências sociais foi a
grande importância dada a incidência de pobreza absoluta como instrumento para
medir o progresso social. Arthur Bowley (1915), professor de estatística da London School of Economics (LSE),
afirmou que não haveria melhor teste para medir o desenvolvimento de uma nação
do que a proporção de pobres. Nos Estados Unidos, Allyn Young (1917) advogou em
favor de medidas distribucionais com base em níveis de renda e riqueza, em vez
das novas medidas unidimensionais de desigualdade que estavam surgindo, a
exemplo do Índice de Gini. A discordância se devia ao fato de que o índice de
Gini considerava implicitamente como ideal uma desigualdade zero, o que, para
ele, era impraticável e indesejável.
Assim, as primeiras décadas do século testemunharam
o desenvolvimento de novas técnicas de amostragem estatística, em que se
destacaram Arthur Bowley, Ronald Fisher e Jerzy Neyman. Os avanços
metodológicos nas técnicas de amostragem permitiram a equipe da LSE, aconselhada
por Bowley a partir de 1928, sistematizar pesquisas de campo domiciliares
sobre a pobreza em Londres. Fisher, como subproduto dos seus experimentos na
agricultura, registrado em Desenho de Experimentos (1935), gerou uma série de
ferramentas de avaliações de programas antipobreza, os quais passariam a ser
conhecidos por avaliações de impacto.
As medidas de pobreza passaram a ser a
principal aplicação da estatística social. Métodos de amostragem revolucionaram
a coleta de dados de renda e despesas das famílias por meio das pesquisas amostrais
efetuadas pelos órgãos nacionais de estatística. Vale destacar o órgão de
estatística da Índia, que, na figura renomada do estatístico Prasanta Mahalanobis, iniciou em 1950 a medição da
pobreza no país.
Historicamente, a Grande Depressão de 1929 trouxe
um grande marco do papel do Estado para a estabilização macroeconômica, no
esteio das contribuições e de John
Maynard Keynes. Embora a preocupação fosse com o desemprego causado pela
alegada falta de demanda agregada, a questão da pobreza que atingia a massa de
desempregados não era um elemento distante. Na sua Teoria Geral de Emprego,
Juros e Dinheiro (1936), de acordo com Keynes, era a estimulação da demanda
agregada que conduziria ao pleno emprego e isso implicava uma maior parcela da
renda nacional no bolso das famílias mais pobres para promover o crescimento
econômico, pelo menos até que o pleno emprego fosse atingido. Ele se contrapôs
ao fenômeno defendido pelos economistas sobre o conflito de promover crescimento
e equidade concomitantemente.
Na verdade, Keynes não escreveu sobre pobreza e
desigualdade, mas acerca de como a alta taxa de desemprego atrapalharia a
demanda agregada na economia, prejudicando a recuperação econômica. O argumento
de que a propensão marginal de consumo seria superior para as famílias mais
pobres, o que sugeria redistribuição dos ricos para os pobres para promover
aumento da demanda agregada e redução do desemprego, solapou a ideia fixa do
conflito crescimento-equidade. Posteriormente, novas pesquisas de comportamento
de consumo intertemporal, tais como a hipótese de renda permanente de Friedman,
apontaram que esse efeito redistributivo do keynesianismo desapareceria no
longo prazo. Mas, Keynes estava preocupado apenas com o curto prazo e anunciava
que
no longo prazo nós todos estaremos mortos. Economistas se colocam tão
facilmente em uma tarefa inútil se, em épocas tempestuosas, eles somente podem
dizer-nos que, quando a tempestade longa passar, o oceano volta à calmaria
novamente [tradução livre].
No esteio da teoria keynesiana e da Grande
Depressão, o Presidente americano Franklin Roosevelt introduziu uma série de
novos programas sociais, entitulados New
Deal, com destaque para a legislação de seguridade social, que incluiu a
pensão para os idosos, transferências para famílias com crianças dependentes e
benefícios para os desempregados. O imposto de renda progressivo introduzido
anteriormente pelo presidente Willian Taft proporcionou o financiamento para
essas iniciativas. Apesar de serem políticas de proteção em vez de promoção,
essas ações governamentais representaram um alívio para a pobreza. Disse
Roosevelt (1937) que “o teste de nosso progresso não é se nós adicionamos mais
de nossa abundância para aqueles que tem muito; mas se nós provemos o bastante
para aqueles que tem tão pouco”.
No próximo post sobre a história da pobreza,
abordaremos o novo surto de pensamentos e ideias sobre a luta contra a pobreza.