segunda-feira, 8 de abril de 2019

A História da Pobreza - Os EUA descobrem a pobreza – por Ravallion (11)


O crescimento americano no pós-guerra na esteira do New Deal e a consequente melhora das condições de vida dos seus cidadãos também geraram pobreza, fato que provocou surpresa para o americano médio.

A partir dos anos 40, os EUA passaram por drástica mudança estrutural. A demanda da indústria da defesa, que atraiu os trabalhadores do campo sobretudo do sul do país, e a maior demanda por comida levaram à modernização da agricultura e ao deslocamento de um grande contingente de trabalhadores rurais para as grandes cidades. Acontece que muitos não encontraram emprego caindo na pobreza, principalmente os afrodescendentes. Geograficamente, a pobreza, que era rural e dispersa pelos estados sulistas, passou a se concentrar nas grandes cidades ao norte. Localmente, as famílias ricas mudaram-se para subúrbios com os incentivos hipotecários, enquanto que as pobres permaneceram nas áreas centrais das cidades, deficitárias de serviços públicos.

Em um contexto de franco crescimento econômico, os americanos se surpreenderam com estudos apontando a existência de pobreza em seu próprio território. Dois estudos se destacaram: a Sociedade Afluente do economista John Kenneth Galbraith (1958) e A Outra América do cientista político Michael Harrington (1962). Esse movimento foi marcado pelo desenvolvimento de novas teorias e de dados obtidos das pesquisas estatísticas e análises que desvendavam condições de vida e estabeleciam medições de pobreza. A sociedade americana se chocou, quando foi revelado que quase 1 em cada 5 americanos era pobre. Não que as pesquisas fossem inovações da época, pois já existiam pesquisas e estudos quantitativos 70 anos antes com Charles Booth e Benjamin Rowntree. Ocorre que agora comentários qualitativos na mídia e livros populares passaram a influenciar mais fortemetente a opinião pública.

Galbraith e Harrington descreveram a pobreza minoritária nos EUA, resultado da redução da pobreza perante o vigoroso crescimento econômico, não obstante a sua permanência em um tamanho considerável. O fato de muitos pobres anteriores migrarem para a classe média, mas muitos outros pobres ficarem para trás, colocou em xeque as acreditadas mobilidade social e igualdade de oportunidades na América. Galbraith identificava duas razões para que as pessoas pobres não conseguissem aproveitar as oportunidades. A primeira ele atribuía a alguma deficiência física ou mental de algumas pessoas, enquanto a segunda apontava a existência de bolsões de pobreza. Harrington acrescentava a essa razões o fato de que as transformações econômicas profundas geravam não só ganhadores como perdedores.

Essa expansão da consciência pública quanto à pobreza, os grandes protestos ocorridos nos anos 60 e os inúmeros debates políticos provocaram uma resposta política do governo federal. Oriundo do New Deal na década de 30, o programa Aid to Families with Dependent Children (AFDC), programa de transferência para mães pobres solteiras, teve a sua elegibilidade ampliada. A Guerra contra a Pobreza da administração do presidente Lyndon Johnson consistiu de um conjunto famoso de programas introduzidos em 1964-65, em nutrição (Food Stamps), saúde (Medicare e Medicaid), educação (Head Start, Elementary and Secondary Education Act de 1965), habitação, capacitação, entre outros.

Conversa entre o Presidente Lyndon Johnson e Martin Luther King

Essas intervenções governamentais tinham objetivos de promoção da redução da pobreza. Mas tinham também um objetivo de alcançar os afrodescendentes nos guetos das cidades do norte e diminuir a desordem social espalhada nos centros urbanos na década de 60. Essas políticas visavam incorporá-los ao desenvolvimento urbano ao buscar melhorar o seu acesso aos serviços públicos. Digno de nota é que a pobreza rural recebeu muito menos atenção.

Ainda em relação à caracterização dessas novas políticas sociais, um novo sistema de entrega governamental emergiu. Criou-se um consenso de que para dar mais efetividade à intervenção governamental, os programas deveriam ignorar os níveis estaduais e locais, atendendo diretamente os cidadãos na ponta. Esse novo arranjo administrativo refletia o entendimento de que governos estaduais e locais, especialmente os do sul, impunham obstáculos para políticas de combate à pobreza e às novas leis de direitos civis. Essas novas políticas anti-pobreza baseadas nas comunidades tornaram-se predominantes inclusive a partir dos anos 90 nos países em desenvolvimento.

Avaliando as razões para essas transformações sociais e institucionais – de políticas anti-pobreza ao advento de direitos civis – , vemos que a comunidade negra tornaram-se mais organizadas politicamente nos guetos, bem como as revoltas nesses ambientes também levavam os ricos a apoiarem mudanças em prol dos mais pobres. Mas essas mudanças não foram baseadas apenas em razões políticas. Era uma resposta de políticas públicas baseadas em evidências, ideias e debates que permearam o período. Desde o início, esse movimento rejeitou as concepções utilitaristas e fundou as suas elaborações em direitos e oportunidades. A principal peça legislativa no período foi o Economic Opportunity Act e acriação de órgão para fiscalizar os gastos federais em novas políticas que deveriam cobrar das instâncias estadual e local que se opunham ao povo mais pobre, gerando corrupção e discriminação racial e julgando os mais desvalidos não merecedores dos novos benefícios sociais. Havia também uma diretriz de apoiar organizações não governamentais que trabalhavam com conscientização de direitos das comunidades mais pobres.

A mais importante inovação foi a busca de se medir a efetividade das políticas públicas de combate à pobreza. Um esforço administrativo passou a ser feito nos estágios iniciais de implementação de novas políticas por meio de experimentos randomizados de testes piloto de programas sociais. O conhecimento gerado serviu para dar suporte à Guerra contra a Pobreza e destacou-se nessa ação a criação do Instituto de Pesquisa sobre Pobreza, criado em 1966 na Universidade de Wisconsin-Madinson, que utilizava avaliações baseadas em métodos experimentais e não experimentais, o que passou a ser copiado em outras partes do mundo.

A maioria dos intelectuais e estudiosos da Guerra contra a Pobreza nos EUA não eram economistas, apesar de estes terem sido envolvidos nas discussões a respeito do tema. Alguns dos economistas importantes que contribuiram para o tema ainda carregavam nas suas análises a escola welfarista e utilitarista, o que era muito mais confortável para eles do que ficar tratando de direitos. Participavam com o intuito de tentar fechar as lacunas negativas da teoria do desenvolvimento welfarista. Uma preocupação recorrente era o desincentivo ao trabalho que poderia provocar programas sociais focalizados nos mais pobres, devido a taxa interna de imposto marginal de 100% dos beneficiários. Um expoente na época foi Milton Freedman, que fez uma proposta radical de substituir todos esses programas pelo Imposto de Renda Negativo.