A proposta da reforma acabou de ser apresentada pelo governo e promete,
no melhor das hipóteses, uma profusão de debates e discussões sobre os impactos
socioeconômicos.
No entanto, ao mesmo tempo que a proposição governamental é abundante em
análises fiscais e econômicas, ela deixa a desejar nos exames de suas consequências
sociais. Apesar do aceno às camadas sociais mais baixas, com a diminuição de
alíquotas previdenciárias e o minoramento de alguns impactos, há realmente
muitos outros parâmetros da reforma que podem prejudicar o acesso desses grupos
aos benefícios.
Apesar do brado retumbante do governo de que a reforma atinge apenas
privilégios e de que os mais pobres serão os menos atingidos, salta aos olhos a
ausência de uma análise ampla do impacto da reforma sobre a pobreza brasileira,
tema deste blog. É importante que todas as informações estejam à mesa para que
uma discussão sobre essa alteração no sistema de proteção social do país seja
mais completa. Se a proposta do governo se restringir a cálculos atuariais, poderá solucionar o problema fiscal, mas criando problemas muitos maiores na sociedade.
Sem muito esforço, podemos iniciar por uma análise do principal
benefício assistencial, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que sofrerá
alterações significativas, se aprovada a proposta. Conhecido como
“aposentadoria social”, denominação esta desvirtuada pois aposentadorias exigem
contribuições previdenciárias – o que não é o caso -, o BPC paga 1 salário
mínimo e contempla pessoas com deficiência ou idosos de 65 anos ou mais que
vivam em famílias de renda per capita
familiar inferior ao 1/4 de salário mínimo.
Centrando atenção no segundo grupo de beneficiários, os idosos de 65
anos – até porque para as pessoas com deficiência não houve proposta de alteração
–, podemos perceber claramente qual foi a rationale
do governo explicitada pelas falas dos seus técnicos. A intenção é a de
incentivar benefício previdenciário ao invés do assistencial, ao adotar, o que
chamaram, de BPC fásico.
Vejamos! O governo propõe que o BPC seja pago mais cedo aos 60 anos, mas
a um valor de R$ 400,00, que permaneceria até os 70 anos, ao ser majorado para
R$ 1.000,00. Para simplificar a análise consideremos, R$ 1.000,00 o valor do
salário mínimo (valor do salário em 2019 é de R$ 998,00). Comparando a sistema
de proteção atual ao proposto pela reforma, temos o gráfico abaixo.
Percebe-se que claramente as razões pelas quais foi fixado o valor de R$
400,00 para o benefício entre os 60 e 70 anos de idade. A primeira aponta para
uma economia para cofres do governo com o pagamento do benefício, uma vez que o
que se pagaria a mais com a reforma (área azul) é menor do que o que se pagaria
a menos com sistema atual (área verde). Segundo, se esse valor não fosse
inferior a R$ 500,00, a soma dos valores de BPC repassados no referido período
seria igual ou maior do que à da atual sistemática de pagar R$ 1.000,00 só a
partir dos 65 anos e haveria, ao contrário do que se pretende, maior incentivo
para população esperar o BPC e, assim, não optando por uma aposentadoria
contributiva. Por isso, o valor proposto, tendo em vista essa premissa,
precisava ser fixado abaixo de R$500,00 e o foi.
A primeira crítica é que, chegando aos 60 anos, época em que a capacidade
laborativa se reduz consideravelmente sobretudo entre os mais pobres, é muito
pouco provável que haja interesse, ou mesmo possibilidade, deste grupo
acrescentar tempo de contribuição, ao menos no curto prazo. No longo prazo, os
mais novos podem em tese ainda alterar as suas preferências. Mas, ainda assim,
as conhecidas limitações cognitivas das pessoas que passam por privação, que
possuem altas taxas de desconto intertemporais, podem sabotar tomada de decisão
na direção das contribuições, ainda mais com as dificuldades de colocação no
mercado de trabalho. Portanto, considerando isso, quanto ao aspecto fiscal da
reforma, o governo realmente poderia economizar com o benefício de BPC pago a
menor, sobretudo no curto prazo, mas provalvemente não captaria novas
contribuições por conta desse mecanismo, mesmo no longo prazo. Quanto ao
aspecto social, o impacto sobre a pobreza é claramente negativo.
Mas, não podemos esquecer que, no âmbito assistencial, há o bolsa
família que beneficia uma boa parte desse público do BPC. Haverá a
possibilidade desse público de 60 a 65 anos do bolsa família, que recebe
transferências de valores médios bem mais baixos que os R$ 400,00 do BPC,
passar a receber este último. Esse, ao contrário, teria um efeito positivo
sobre a pobreza do país.
Na falta de análises por parte do governo, o impacto líquido do novo BPC
sobre a pobreza é desconhecido. Cabe a outros setores do governo, do Estado e
da sociedade buscar calcular se esse mecanismo específico do BPC fásico, assim
como dos outros itens da proposta de reforma, serão prejudiciais aos pobres, ou
mesmo, benéficos. Não bastam slogans como “quem ganha menos (mais) paga menos
(mais)”. Essas afirmações são ainda desconectadas das repercussões que a reforma
terá sobre os mais pobres.